domingo, 17 de março de 2024

Vinicius Torres Freire - Inicio de ano melhorzinho

Folha de S. Paulo

Comércio, serviços, emprego, mercado de capitais e receita do governo vão melhor do que o previsto

O jorro de provas de que Jair Bolsonaro tramava o golpe ofuscou notícias de surpresas positivas na economia. Parece mais provável que se chegue neste 2024 pelo menos a um crescimento melhorzinho do que o previsto no final do ano passado: 2% em vez de 1,5%.

São dados apenas de janeiro, sim. Também não podemos nos acostumar a tão pouco —mais sobre isso mais adiante.

O crescimento de 2% parece bom porque somos um paciente que apenas tenta se levantar da cama, muito doente faz dez anos, alguns deles em coma, ainda cheio de males que precisam de tratamento profundo. Mas vamos falar das notícias de que podemos dar mais uns passinhos claudicantes neste ano.

As vendas do comércio e o faturamento do setor de serviços em janeiro cresceram mais do que a previsão mais otimista.

Foi assim também com a criação de empregos formais, pelos registros do Ministério do Trabalho. Os dados do IBGE, sobre o total de empregos e salários, haviam saído faz duas semanas, bons também. A nota negativa ficou com a queda da produção industrial, no entanto nem tão ruim quanto a prevista.

A arrecadação do governo deve ter aumentado de novo, segundo estimativa do Ipea, o instituto federal de pesquisa econômica. Em fevereiro, a receita líquida do governo teria crescido mais de 20% em relação a fevereiro do ano passado, em termos reais (acima da inflação).

No primeiro bimestre, o crescimento teria sido de 8,6%. É tanto um sinal de atividade econômica razoável quanto perspectiva de redução de déficit.

As empresas voltaram a tomar mais dinheiro emprestado no mercado de capitais, indício de que têm alguma expectativa de melhoras. O primeiro bimestre de 2023 havia sido desastroso por causa dos crimes na Americanas, do medo de calotes de empresas, juros horríveis e sururu nos EUA.

Na semana passada, a previsão de crescimento do PIB dos economistas do Itaú passou de 1,8% para 2% em 2024, a mesma estimativa dos economistas do Bradesco.

Os motivos mais novos e imediatos desse desempenho melhorzinho podem ser o pagamento de precatórios (caloteados pelo governo das trevas, 2019-2022), a redução do endividamento das famílias (graças a aumentos de renda em 2023 e a renegociação de dívidas) e juros algo menores.

Uma grande incógnita é o que será do investimento em novas casas, instalações produtivas, máquinas, equipamentos, "softwares" etc. Depende de taxas de juros, mas também de estabilidade política e econômica, de perspectiva de crescimento. É em parte insondável, mas daí pode sair um crescimento maior do PIB. No mais, dependemos de preços de commodities e dos juros nos EUA.

Crescer 2%, porém, é alegria de pobre. De 2017 a 2019, crescemos a 1,4% ao ano. O crescimento de 2021 (4,8%) e 2022 (3%) apenas levou o PIB ao nível em que estaria se continuasse no ritmo miserável de 2017-2019, interrompido pelo tombaço da epidemia em 2020.

Apenas em 2023 ficamos um pouco acima dessa "curva" de aumentinhos do PIB. Mas é um ritmo ainda inferior ao da média mundial. Muito abaixo da média aritmética de 4,1% ao ano de Lula 1 e 2. Vivemos da mão para a boca.

Nossa infraestrutura de transporte é tão escassa ou primitiva que não temos propriamente um mercado nacional, uma economia integrada. Ainda por muitos anos teremos um sistema de impostos e subsídios que limita essa integração e que estimulou muito investimento ineficiente.

O gasto público cresceu muito e estamos queimando recursos naturais (petróleo, minérios) sem aumentar a taxa de investimento. O PIB grosso modo flutua com o preço de commodities (comidas, petróleo, minérios). A economia ainda é fechada para exterior. Não falamos a sério de educação de crianças e de pesquisa científica. O de sempre.

É melhor, claro, que o doente tenha acordado e dê uns passinhos. O tratamento da recuperação ainda mal começou.

 

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