quinta-feira, 27 de junho de 2024

Maria Cristina Fernandes - O discurso que torna Lula sócio da inflação

Valor Econômico

Se a descriminalização da maconha reacende a polarização, o discurso de Lula sobre a economia coloca em risco até a estreita vantagem sobre o bolsonarismo

Com a descriminalização do porte de maconha, o Supremo Tribunal Federal tomou uma decisão destinada a impedir a superlotação dos presídios com jovens negros de periferia. O caráter civilizatório da medida não impede a constatação de que o STF acendeu o fósforo no paiol da polarização.

Ainda que o faça por desconhecimento, a maioria da população é contrária. Campanhas de esclarecimento podem minorar esta percepção, mas há um risco de que a medida caia no colo do governo e dos seus candidatos às eleições municipais. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva parecia estar pisando nesse terreno movediço quando respondeu, ao UOL, que o Supremo fazia uma intervenção indevida em tema do Congresso.

Se o debate de costumes, que já chega tarde, torna incerta a capacidade de Lula de avançar sobre o eleitorado bolsonarista, seu discurso sobre economia vai além. Coloca em risco até mesmo a estreita vantagem de 2,1 milhões de votos que obteve e que hoje, a duras penas, administra.

Basta ver o que aconteceu com o dólar, que fechou acima de R$ 5,50 quando grandes investidores projetavam R$ 4,50 no fim do ano. O dólar fechou em alta no mundo todo, mas, no Brasil, foi ainda mais empurrado por Lula. É um movimento que pressiona a inflação e, consequentemente, os juros.

O presidente colocou-se como inimigo número 1 da taxa de juros mas, quando fala, torna-se sócio de sua ascensão. O problema não foi descartar a desvinculação de benefícios sociais da política de valorização do salário mínimo, que não está no cardápio de cortes a ser oferecido pela Fazenda, mas reafirmar a opção por mais receita (reoneração) sem se mostrar convencido do corte de despesas às quais ele nem foi apresentado e, por isso, não se pode dizer que tenha descartado.

Aquelas das quais já se tem conhecimento, como a reforma da previdência dos militares e o PL dos supersalários, são medidas que precisam do Congresso. Este apoio será tão mais custoso quanto mais dificuldade o governo tiver para manter a economia estável.

O PIB cresceu 3% no ano passado e tem a perspectiva de ficar acima de 2% este ano, o desemprego está no menor patamar em uma década, bem como a pobreza. Quando o presidente vai pra cima do mercado do jeito que foi (“eles pensam no lucro e o país precisa de quem pense no povo”) sugere uma crise inexistente.

Lula voltou a falar de sua experiência de governo e a se colocar na condição de terceiro governante mais longevo da História, depois de d. Pedro II e Getúlio Vargas. Pouco se vale dela, porém, para constatar que quanto mais falar que “o mercado sempre torce para as coisas serem piores”, mais caro sairá para o governo e para o país. É uma agonia que ameaça se estender até a escolha para o BC.

Não se trata de imaginar que Lula possa se “render” ao mercado, mas aceitar as regras do jogo como, aliás, faz com os demais atores desta trama da qual é o principal pivô. Tem-se mostrado cuidadoso com o Congresso, vide a cautela com a bancada do União Brasil, partido do ministro das Comunicações, Juscelino Filho, de quem evita fazer pré-julgamento mas cuja permanência estará delimitada por um eventual indiciamento. Foi simples e convincente.

Vai um pouco além com o Supremo - “Se um ministro do STF me pedisse opinião, diria, não se meta em tudo” - porque teme que o ministro Luís Roberto Barroso deixe uma marca de sua passagem pela presidência da Corte à custa de um carimbo sobre seu governo a ser explorado pela extrema-direita.

A resistência da sociedade às drogas de que se vale para se contrapor ao Supremo na descriminalização não serve para explicar por que o presidente custa a se reciclar em seu discurso sobre as mulheres.

Para explicar que o PIB do país tem que crescer para que se possa distribuir riqueza remeteu-se a um casamento. Um solteiro, disse, que ganhe R$ 10 mil, tem sua renda diminuída pela metade quando casa. O presidente que arrebanhou mais da metade de seus votos no eleitorado feminino não ignora que as mulheres estão no mercado de trabalho. Mas fala como se o fizesse. Fez o mesmo ao dizer que estão tão ausentes do seu Ministério porque o ingresso recente na política ofertava poucas mulheres à sua escolha.

É uma mentalidade igualmente datada aquela que usa produção de carros, equivalente à metade do patamar de quando deixou o governo, como indicador de crescimento. Quantos fabricantes de pás para geradores de energia eólica havia em 2010?

Com tanto tempo no poder, é improvável que Lula se deixe trair por tantos atos falhos. Por isso, parece ter sido caso pensado a promessa de uma entrevista em dezembro de 2026 para fazer um balanço de seu governo. Sugere que se prepara para passar o bastão. Para quem? “O Haddad é uma pessoa muito importante para mim e para o país e quero muito bem a ele. A gente tem divergência e não comungo com tudo que ele pensa nem ele comigo, mas ele tem 100% da minha confiança”.

Com que marca? A devolução do país à democracia, disse, repetindo o que foi a bandeira de sua eleição. A possibilidade de renovar o mandato, para si ou para o sucessor que vier a escolher, ainda depende do que fizer e do que disser. Discursos enfezados contra o mercado têm o efeito oposto àquele que pretende. Enriquecem quem ganha com volatilidade e empobrecem quem perde com inflação.

 

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