segunda-feira, 15 de julho de 2024

Bruno Carazza - Mercadores de influência desembarcam em Brasília

Valor Econômico

Capital federal atrai lobistas de todo o Brasil às vésperas de grandes votações

A primeira vez que o termo “lobbyist” apareceu no arquivo do “New York Times” foi em 6 de fevereiro de 1857, num texto de opinião contrário à aprovação do Pacific Railroad Bill, um projeto que autorizava o governo americano a doar terras públicas e a financiar a construção das estradas de ferro que cruzariam o país, do Atlântico ao Pacífico.

A matéria denunciava as intensas negociatas ocorridas no âmbito do Comitê de Terras Públicas, que estava prestes a autorizar a concessão de extensas faixas de terras em Minnesota e Iowa para a instalação dos trilhos e o desenvolvimento urbano nesses territórios ainda inóspitos. O autor designado como “S.” expõe o fenômeno de objetivos privados colocados acima do interesse público. No Brasil, pesquisando no acervo da Biblioteca Nacional e de “Estadão”, “Folha” e “O Globo”, a referência mais antiga que encontrei a “lobista” foi em coluna de Nahum Sirotsky (1925-2015), então correspondente do “Jornal do Brasil” em Nova York, em 8 de dezembro de 1963.

Intitulado “Os mercadores de influência”, o texto apresentava ao público brasileiro os profissionais especializados que atuavam junto ao governo e ao Congresso americanos em favor de associações empresariais e grandes companhias.

Como destacava Sirotsky, “onde há poder há pressões, tentando orientá-lo para esse ou aquele caminho”. O que distinguia essa prática nos EUA era que a atividade era regulamentada pelo governo, que exigia desses profissionais registro em órgão público, transparência a respeito de quem contratava seus serviços e declaração, para a Receita Federal, das receitas e despesas incorridas no seu trabalho.

Numa didática descrição, ele explicava que os lobistas promoviam os interesses de seus clientes por meio da preparação de documentos e a apresentação de dados para demonstrar, perante as autoridades, as vantagens da aprovação de seus pleitos.

Além dessa atuação legítima, Sirotsky também demonstrava que eram comuns técnicas um pouco mais convincentes: “O político americano é tão sujeito às tentações terrenas quanto qualquer outro. O lobby o cerca de todas as formas, com festas, apresentando belas jovens, com contribuições para caixinha de candidato, com presentes”.

Mais de seis décadas depois da coluna de Nahum Sirotsky descrevendo a atuação dos lobistas americanos, o lobby (ou relações institucionais e governamentais, como preferem os profissionais da área atualmente) ainda não é regulamentado no Brasil. Isso não significa, porém, que não haja trabalho na área.

As últimas semanas foram frenéticas em Brasília, com muita gente desembarcando na capital a fim de obter alguma vantagem na reta final de votação, na Câmara, da regulamentação da reforma tributária.

Foram 805 emendas apresentadas pelos deputados, defendendo os mais diferentes setores. Ao final, prevaleceram os lobbies de pecuaristas, frigoríficos, mineradoras, multinacionais de bebidas, fabricantes de armas, montadoras de veículos e até planos de saúdes de pets.

Na falta de regulação da profissão de lobista, fica difícil para a sociedade mapear sua atuação nos corredores de Brasília. Resta a tentativa de rastrear sua atividade por medidas aproximadas. Tomando como base os microdados de voos divulgados pela Anac e os relatórios de presença na Câmara, realizei um exercício de comparação entre os desembarques de passageiros no aeroporto JK e a atividade parlamentar. Brasília hoje é um importante centro regional, com uma população de alta renda que atrai negócios que vão muito além do mundo da política. Mas o que se decide na Praça dos Três Poderes, na Esplanada dos Ministérios e nos seus tribunais continua levando hordas de interessados ao Planalto Central.

Como se vê no gráfico, em linhas gerais momentos de baixa atividade parlamentar tendem a diminuir o afluxo de passageiros. Já em momentos de votações relevantes ou de eventos como a posse presidencial ou a eleição das Mesas Diretoras, a lotação nas aeronaves dispara.

Em tempos de reforma tributária, o mercado de influência fica efervescente.

3 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom! Quando o colunista fala do "fenômeno de objetivos privados colocados acima do interesse público", está resumindo A HISTÓRIA DO BRASIL! De 1500 a 2024.

ADEMAR AMANCIO disse...

É isso aí!

Murilo Murça de Carvalho disse...

Saudade do Nahum Sirotsky, um dos meus mestres do jornalismo e que se tornou também lobista, no melhor sentido do termo.