segunda-feira, 29 de julho de 2024

Diogo Schelp - Vizinho precisa deixar de ser um ‘país-problema’

O Estado de S. Paulo

Os interesses brasileiros e o contexto geopolítico envolvendo a Venezuela mudaram

O teatro eleitoral venezuelano não se encerra quando as urnas são fechadas. A fase mais angustiante para os milhões de cidadãos que almejam mudança em um país castigado por 25 anos de regime chavista começa agora. A posse presidencial se dará apenas em 10 de janeiro e, até lá, há de se esperar muita contestação, intimidação e tensão política. Esse é o momento propício para o governo Lula promover uma reorientação profunda em sua política externa. A Venezuela precisa deixar de ser um “país-problema” para o Brasil.

Quem cunhou a expressão foi Celso Amorim, assessor para assuntos internacionais de Lula. Em livro lançado em 2022, Amorim classificou Bolívia, Equador e Venezuela como “países-problema”, reconhecendo que representavam alianças trabalhosas para a diplomacia brasileira.

Por qual razão, então, os governos petistas davam respaldo político para os líderes dessas nações, apesar dos desmandos? Não era apenas pela afinidade ideológica. Aliás, essa servia apenas como uma roupagem conveniente para outros interesses. Amorim escreveu que o cálculo para essas parcerias conturbadas era “estratégico”.

Em um artigo acadêmico de 2015, um ex-diplomata venezuelano afirmou que, enquanto o chavismo procurava alianças ideológicas para manter “a hegemonia interna do seu projeto político”, o Brasil fazia “o jogo do esquerdismo”, mas na prática movia-se por investimentos privilegiados na Venezuela. O autor dessa análise é ninguém menos que Edmundo González Urrutia, que saiu do anonimato este ano para enfrentar Maduro nas urnas, como substituto da opositora María Corina Machado.

Hoje sabemos que os tais interesses econômicos que impulsionavam o engajamento do Brasil com a Venezuela eram os negócios que empresas brasileiras, em especial empreiteiras, tinham com o regime chavista. A Operação Lava Jato eliminou essa variável. De lá para cá, os interesses brasileiros e o contexto geopolítico envolvendo a Venezuela mudaram. Rússia e China passaram a dar as cartas em Caracas e são os que mais têm a perder com uma troca de governo. O que ainda poderia impelir a diplomacia lulista a ser condescendente com a continuidade da Venezuela como um país-problema? Nada, a não ser a roupagem ideológica. Ao contrário, tudo o que Brasil faz é sofrer as consequências da instabilidade venezuelana, com o fluxo de refugiados e com ameaças de guerra na nossa fronteira.

 

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