Naqueles boletins médicos sobre doentes graves que aparecem no noticiário, muitas vezes a gente ouve que o "estado do paciente é estável". Isso quer dizer apenas que, tenha o doente um tumor do tamanho de uma laranja ou meia dúzia de balas no corpo, os sinais vitais desse paciente ao menos pararam de piorar: ficaram num mínimo aceitável.
Depois do mutirão de ontem dos bancos centrais do mundo rico, a gente poderia ouvir um relato semelhante: os bancos europeus estão "em estado estável". Mas a doença é ruim e a contaminação continua.
O Fed, o banco central dos EUA, baixou ontem os juros para empréstimos em dólares a seus pares da Europa. Os BCs europeus, por sua vez, têm agora mais dólares à disposição para emprestar aos bancos.
Os bancos europeus estavam ficando sem fundos em dólares (e não só em verdinhas, o que é grave, pois têm "contas a pagar" em dólares). Perderam acesso ao mercado americano (fundos de investimento), pois os fundos dos EUA temem emprestar à banca europeia, sob risco de quebra devido à crise do euro.
Os bancos europeus também não conseguem captar dinheiro bastante entre eles mesmos, trate-se de dólares ou euros, pois as instituições financeiras desconfiam uma das outras: podem quebrar.
A ação dos BCs do mundo rico, enfim, é apenas de uma transfusão de sangue que tem por objetivo tratar um sintoma específico. Nada disso trata da doença de fundo.
Decerto a transfusão é melhor do que um choque ou do que a morte. Pode ainda ser um sinal de que líderes políticos e autoridades econômicas venham a tomar medidas decididas e decisivas para lidar com a crise dos governos quebrados.
Por outro lado, o socorro americano de ontem parece muito com o de meados de 2007, quando o sistema financeiro euro-americano começou a desabar, mais de um ano antes da explosão da crise em 2008.
Isto é, está havendo um aperto geral de crédito na praça europeia: um "credit crunch", como se escrevia ontem nestas colunas. A ação emergencial significa que em breve haveria risco de quebra de um ou outro banco, asfixiado por falta de "funding", de crédito e recursos para financiar suas operações.
Na presente situação europeia, a quebra de um banco seria um desastre pelo menos "psicológico", mesmo que não se tratasse de instituição grande o bastante para causar tumulto sistêmico "concreto".
Obviamente, presume-se, ainda mais depois das incompetências de 2008, as autoridades não deixariam um banco quebrar de fato. De algum modo, tapariam os rombos e o banco iria para a UTI ou a estatização. O impacto "psicológico", porém, tenderia a ser devastador também.
Dada a gravidade da operação de emergência (a transfusão de dólares para a banca europeia), por que houve tanta animação nas praças financeiras do mundo?
Ao que parece, os "mercados", os donos do dinheiro grosso, interpretaram a atitude dos BCs como a aceitação do fato de que governos e o Banco Central Europeu precisam abrir as arcas e colocar mais dinheiro em banco e país semiquebrado.
Na semana que vem, a direção do BCE e, no dia seguinte, governos europeus se encontram para deliberar sobre como, se, quando e em que medida vão bancar a crise. A Europa está mesmo no bico do corvo.
FONTE: FOLHA DE S. PAULO
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