Mais do que o usual, os economistas se dividem diante das alternativas a serem seguidas pela Grécia: uns defendem austeridade reduzindo gastos do setor público para reencontrar o equilíbrio fiscal e retomar o crescimento; outros defendem exatamente o contrário, mais gastos públicos como forma de incentivar o crescimento na economia, para depois elevar a receita e equilibrar as finanças.
Mas faltou unanimidade na percepção de que a crise poderia ter sido evitada se a economia não tivesse criado ilusões. A ilusão do euro, que dava ao consumidor um poder de compra muito acima da real possibilidade da economia; a ilusão do dinheiro fácil, que vinha dos bancos para financiar gastos como se eles não fossem ser exigidos de volta com juros; e a ilusão criada pelo governo que se endividava para pagar gastos correntes, sem retorno produtivo. Durante alguns anos essas ilusões de riqueza funcionaram, escondendo a realidade de uma economia pobre, sem competitividade, nem investimentos.
Quem não lembra dos argentinos comprando o litoral catarinense, depois os espanhóis e portugueses comprando as praias do Nordeste. Todos esses países depois entraram em crises parecidas.
A discussão, portanto, não deve se resumir a se é preciso austeridade ou elevação de gastos públicos, mas se a austeridade que está vindo é tardia ou não, se não teria havido um caminho capaz de combinar austeridade nos gastos correntes com a elevação nos gastos em investimentos produtivos e sociais. Um keynesianismo produtivo e social, como vem sendo defendido há alguns anos.
Quando se descobre que uma economia está funcionando na base de ilusões, ela desmorona, como as famosas pirâmides financeiras, hoje chamadas de bolhas, que encantam ingênuos e até enriquecem os que as criaram, apropriando-se do dinheiro dos que vêm depois. Mas a simples austeridade - demitindo servidores, parando obras, desarticulando escolas e hospitais - não vai dar o resultado que se espera. O custo social que ela cria é insustentável moral e politicamente, e provavelmente não resistirá além das próximas eleições de abril, na Grécia. Entre políticos responsáveis e insensíveis à miséria, e os demagogos que prometem ilusões, os eleitores votarão pela ilusão. E a crise política agravará ainda mais a situação, até o dia em que a própria democracia desmorone e um regime autoritário, embora dentro de certo marco legal, imponha as saídas necessárias.
Para evitar este dilema maldito, entre a ilusão insustentável e o custo social inaceitável, as saídas deverão combinar austeridade - suspendendo gastos supérfluos, taxando rendas elevadas, reduzindo consumo desnecessário -, ao mesmo tempo mantendo empregos, ainda que reduzindo salários elevados e jornada de trabalho, mantendo os serviços públicos, reorientando gastos públicos para investimento, inclusive na educação, ciência e tecnologia para criar competitividade. Ao lado disso, seria necessária uma "moratória consentida" de pelo menos parte da dívida pelos credores e a redução interna de preços como uma forma de desvalorização sem sair do euro.
Esta visão de austeridade-com-investimentos pode ser uma lição para o Brasil. Todos os países hoje em crise passaram por períodos com a mesma euforia ilusória. Se eles tivessem, no momento certo, eliminado as ilusões e feito as devidas correções de rumo, não estariam na crise da qual a Grécia é apenas o símbolo pelo tamanho de sua tragédia. Estamos passando por ilusões assemelhadas: moeda supervalorizada, Estado perdulário, financiamentos alavancados superficialmente, rendas elevadas para uma minoria, consumo aquecido, baixa poupança e investimentos, substanciais compras de bens e serviços importados que desindustrializam o país.
Os países em crise não aprenderam com as crises anteriores, como a Argentina há dez anos, e apresentam quadro ilusório parecido: euforia da moeda vinculada ao dólar, como a Grécia fez ao entrar no euro; gastos elevados com Copa do Mundo em Buenos Aires e as Olimpíadas em Atenas. Não podemos deixar de enxergar que uma parte de nossa economia está sob efeito de ilusões, na linha do que diz o texto "A economia está bem, mas não vai bem", que pode ser acessada no endereço eletrônico http://bit.ly/wVUR0j. Precisamos fazer hoje os ajustes que a Grécia e a Argentina não fizeram no momento certo, quando preferiram o risco das ilusões.
Cristovam Buarque é senador (PDT-DF).
FONTE: O GLOBO
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