quinta-feira, 19 de abril de 2012

A França, de tricolor a monocolor:: Clóvis Rossi

Da seleção campeã de 1998, negra e árabe, às portas fechadas para a imigração no território francês

PARIS - Stade France, final da Copa do Mundo de 1998, França x Brasil: o presidente da época, Jacques Chirac, veste um cachecol tricolor (o vermelho-branco-azul da bandeira francesa) e torce despudoradamente a cada um dos três gols que sua seleção fez no Brasil para se tornar, pela primeira vez, campeã do mundo.

No campo, o time francês também é tricolor, mas, como se dizia, é "black/blanc/beur" ou negro, branco e de ascendência árabe (popularmente chamados de "beurs"). Caso do maior astro de todos os tempos na França, Zinédine Zidane, de origem argelina. Vitoriosos, todos cabiam no grito de "allez, les bleus", todos azuis, mesmo os negros ou de origem árabe.

Quem viu essa festa, como eu, só pode ficar chocado quando o sucessor de Chirac, Nicolas Sarkozy, gritou domingo que "a França tem o direito de decidir quem aceita em seu território", em plena place de La Concorde, por onde passaram há 14 anos os "black/blanc/beur" na comemoração da vitória.

Claro que a França, como qualquer país, tem o direito de aceitar ou rejeitar quem pretenda nela se instalar. Aliás, antes da vitória no Mundial-1998, havia muxoxos da extrema-direita contra o que considerava excesso de cores na seleção nacional.

Depois, os vitoriosos foram todos aceitos, qualquer que fosse a sua cor, no que não deixa de ser, no detalhe, uma cópia da relação dos franceses com os imigrantes, em especial os de ex-possessões da França no Norte da África (argelinos e marroquinos), os mais numerosos.

Pelo menos é a história como a interpreta Said Alaraby, neto de argelinos, que esteve preso sob acusação de pequenos furtos, mas hoje é balconista em um supermercado de Montparnasse. Para ele, houve, originalmente, uma troca de necessidades entre a França e seu avô, por exemplo: "Ele veio porque a vida era insuportável na Argélia e foi aceito porque os franceses recusavam o trabalho pesado que vovô se dispôs a fazer".

O avô de Said não se arrependeu, segundo o neto, mesmo tendo passado a vida recolhendo lixo nas ruas de Paris: "Apesar de discriminado, ele dizia viver melhor do que se tivesse ficado na Argélia".

Esse peculiar "contrato social", para defini-lo de alguma maneira, começou a se quebrar quando descendentes dos "beur" e "blacks", originários de outras ex-colônias francesas, quiseram ter todos os direitos inerentes ao Estado de Bem-Estar Social que, por mais avariado que esteja, ainda é um orgulho da França (e da Europa).

Não eram mais necessários, menos ainda agora que financiar benesses até para os "blanc" está muito difícil.

O emprego, porta de entrada inescapável, foge dos imigrantes e descendentes: em 2008, o último ano em que o Insee (o IBGE francês) registra dados da imigração, 19% deles estavam desempregados, contra 7% de franceses natos então sem trabalho.

No total, 19% da população total da França (ou 11,8 milhões) era, em 2008, formada por imigrantes ou descendentes diretos. Mas ao contrário de Zidane e cia. não são mais enquadrados como "bleus".

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

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