quinta-feira, 19 de abril de 2012

Candidatos radicais conquistam eleitores jovens na França

Partidos de extrema-direita e extrema-esquerda são opção de 42% desses eleitores

Deborah Berlinck,

GENEBRA — A grande surpresa das eleições presidenciais da França, no próximo domingo, poderá vir dos jovens. Uma sondagem do instituto CSA para o jornal “Le Monde” revelou que 42% dos entrevistados entre 18 e 24 anos estão pendendo para os extremos. Da direita e da esquerda. Num país em que 22,4% dos jovens nesse limite de idade não tinham emprego em novembro último — mais que o dobro da média nacional — não fica difícil entender por que soluções que se afastam bastante do centro têm um poder de sedução maior sobre essa fatia do eleitorado. Sedução que, medida em números, duplicou o poder de fogo da extrema-direita e triplicou o da extrema-esquerda menos radical nos últimos meses entre os jovens.

Desiludidos com os grandes partidos, 26% dos entrevistados anunciaram seu voto na louríssima Marine Le Pen, da extrema-direita, deixando ligeiramente para trás, com 25%, o homem mais cotado para se tornar presidente da França, o socialista François Hollande. Progride também, segundo a mesma pesquisa, a simpatia por outro extremo: o candidato da Frente de Esquerda, Jean-Luc Mélenchon — uma versão “light” da extrema-esquerda. Entre o fim de 2011 e março de 2012, Mélenchon passou de 5% para 16% na preferência dos jovens. Já Marine Le Pen saltou de 13% para 26%.

— Para os jovens, a Frente Nacional é o voto da contestação — afirmou Anne Muxel, do Centro de Estudos da Vida Política Francesa (Cevipof), à rádio RMC.

Voto de protesto contra o sistema

A opinião é compartilhada por Mikael Garnier-Lavalley, da Associação Nacional de Conselhos de Crianças e Jovens (Anacej), que promove a participação de jovens nas decisões públicas. Mas, Garnier contesta a sondagem da CSA, feita com menos de 200 pessoas, e cita a pesquisa feita por sua organização junto a 800 jovens de 18 a 22 anos. Nela, o socialista François Hollande dispara na frente, com 31%. Marine Le Pen chega em segundo, com 23%, e 21% de preferência para o atual presidente Nicolas Sarkozy, do conservador UMP. De qualquer forma, a extrema-direita chega em segundo.

— Marine encarna uma mulher independente. É um voto de protesto de direita que vem de jovens de categoria social mais baixa, menos diplomados e desempregados — diz.

É o caso de Aurélie Mougeot, de 25 anos, e o marido Sébastien Bru, de 31, moradores de Montpellier, no Sul da França — ambos desempregados. Eleitores do Partido Socialista nas presidenciais de 2007, vão votar pela primeira vez na extrema-direita de Marine Le Pen. Sem formação universitária, Sébastien admite que tentou dar um passo maior do que as pernas quando montou uma empresa de marcenaria, sem ter experiência. Chegou a ter três empregados, carro do ano, até se afundar em dívidas. A queda foi dura: expulso do apartamento, foi parar, literalmente, na rua. Hoje, culpa os imigrantes.

— Nós deveríamos ser prioridade (para o Estado), mas os estrangeiros estão passando na nossa frente. E se aproveitam — queixa-se.

Aurélie, filha de uma agente de limpeza, também sem formação superior, está grávida de 5 meses e tem uma filha de 5 anos. Sobrevive com ajuda do Estado e de associações de caridade:

—Voto em Marine para que a França volte a ser dos franceses. Fomos deixados de lado. Não nos sentimos bem no nosso próprio país.

Na França em crise, os imigrantes passaram a disputar com os jovens franceses de baixa renda empregos que exigem menor qualificação Mas, a realidade desses jovens é bem mais complexa. Os filhos da elite não temem os estrangeiros, nem o futuro. São eleitores de Hollande.

— Não estou certo de que teremos a mesma qualidade de vida — admite Clément Leroy, de 20 anos, aluno do conceituado Sciences-Po, o Instituto de Ciências Políticas de Paris, acrescentando ter sentido o “declínio francês e da Europa” ao fazer um intercâmbio na Austrália, no ano passado.

Sua colega Alice Laila, de 21 anos, concorda que essa geração terá que fazer sacrifícios. Mas contemporiza:

— Temos sorte em relação a outros europeus. No Reino Unido, não há seguridade social e, na Espanha, os jovens universitários sonham em ir para o exterior, porque não há perspectiva de emprego.

Imigrantes discriminados

A 15 km de Paris, em Clichy-sous-Bois, bairro pobre da periferia, onde explodiu a revolta de jovens de 2005, que resultou em milhares de carros queimados nas periferias de toda a França, a vida é diferente. Em prédios erguidos pelo Estado para acolher imigrantes nos anos 1960, existe a função de “carregador”, pago para ajudar mulheres e idosos a subir as escadas com as compras. O elevador está quebrado há dez anos. Dali, Abdel Eliot, de 24 anos, filho de imigrantes do Marrocos, é menos positivo.

— Não sou nem mesmo francês! Quero dizer, sou. Mas quando digo que sou francês, me perguntam logo: mas você vem de onde? — desabafa Eliot, de uma família com 7 irmãos e irmãs, eleitor de Hollande.

Ele sonhava em ser advogado. Mas teve formação técnica e virou eletricista. Trabalha por conta própria numa zona onde o desemprego chega a 40% da população jovem. O mesmo ocorre em La Paillade, banlieue de Montpellier, reduto dos socialistas.

— A situação não melhorou depois da revolta de 2005. Ao contrário, piorou. Os jovens que se revoltaram para serem ouvidos, hoje viraram bodes expiatórios — queixa-se Alouari Haddade, presidente da AJPPN, uma associação local de jovens.

O descrédito na classe política é grande:

— Veja o blog da candidata socialista daqui. Vai ter um opinião gastronômica do cuscuz (prato tipicamente magrebino) do bairro, mas nada sobre escola, habitação e desemprego. Como é que ela pode vir aqui e fingir que a vida é bela?

Como nas favelas do Rio, gangues se formam, a droga flui, e a polícia mantém distância. Uma geração de franceses que não se sentem franceses e é estigmatizada faz sua própria lei. Como Toni Tavares, de 22 anos, filho de imigrantes de Cabo Verde, e seu amigo Booba D, de 18 anos, da Martinica, que passou dois anos na prisão por envolvimento numa briga que resultou em morte. Os dois não acreditam no voto, são descrentes da França. Booba se anuncia como um ladrão e diz:

— Somos um zero à esquerda aqui, madame. Não tenho nada a perder.

FONTE: O GLOBO

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