• Lula e Dilma esticam a corda de sua hoje conflituada relação
- Valor Econômico
Primeiro, foi o terceiro mandato, a re-reeleição que seria pedida a um Congresso de base ampla e sob controle, com emenda constitucional a tramitar sob o comando dos petistas amigos. Depois, a desistência do projeto por inviável e a formulação de outro, a escolha da candidata do partido à sucessão, Dilma Rousseff, como um poste fácil de levantar por ser mulher, ter fama de gestora e, à época, de lealdade reconhecida ao líder. O partido não queria, mas acabou engolindo. O terceiro movimento foi o 'Volta, Lula', uma campanha intensa, duradoura, levada adiante com o beneplácito do sujeito da oração, participação da sociedade, ajuda do empresariado insatisfeito com o governo, e por um contingente expressivo do comando petista. Quase todos. Nessa fase houve o vale tudo das críticas e reclamações contra tudo e todos.
O ex-presidente passou a justificá-la, depois a tentar mudá-la, no fim a pedir paciência aos seus queixosos. Lula registra, hoje: nenhum de seus conselhos foi aceito pela presidente, e boa parte deles a teria livrado dos percalços desnecessários em que tropeça agora.
Conselho número um, que ainda valeria atualmente como antes: dar sinais claros sobre o que vai mudar na economia e com quem. Outro exemplo, sair da toca, relacionar-se com todos; um terceiro, fazer alguma relação com os partidos, deputados e senadores.
Superadas as três fases distintas, inicia-se a quarta fase, agora, e as principais notas dessa partitura foram dadas pelo próprio presidente do partido, Rui Falcão.
Em entrevista ao Valor, publicada segunda-feira, ele resumiu os sentimentos dos seus comandados e apontou ao eleitorado e aos financiadores de campanha como o PT vê o cenário político e sua relação com Dilma. As declarações compõem um roteiro de cinema. É como se recomendasse aos doadores a volta segura ao projeto petista, e dissesse aos eleitores que, na verdade, Lula não é uma miragem este ano: vai influir muito mais no segundo mandato da Dilma e, logo em seguida, em 2018, será ele mesmo o candidato a presidente.
O ex-presidente comporta-se, em conversa com todos, como quem já jogou a toalha, não espera mais mudar o comportamento da presidente, fazê-la ver os equívocos políticos e as opções erradas que vem fazendo, do seu ponto de vista. Lula diz a banqueiros e bancários que já cansou de falar, mas está convencido que ela precisa ser eleita, é melhor o cenário com ela para ele assumir de volta em 2018. Lula desistiu de terminar de criar a criatura.
A saída do ex-presidente é dizer que a perspectiva do futuro poder abre-se, com ele à frente, no primeiro dia do segundo mandato de Dilma. Além de dar garantias aos financiadores, que estão verdadeiramente relutando e, quando comparecem, repartem igualmente as verbas de campanha entre os candidatos, o ex-presidente quer acender a militância que, na avaliação interna, ainda está fazendo corpo mole. Sem os petistas, acredita, será difícil eleger Dilma, e é preciso retomar o apoio do eleitorado o quanto antes para vencer no primeiro turno. Lula e o PT temem o segundo turno com uma candidata tão resistente à política como tem sido Dilma.
Dilma é João Santana, João Santana é Dilma: a simbiose entre candidata e seu marqueteiro é destacada no partido como um dos maiores problemas da campanha. Uma só confia no outro e está certa de que, começando o horário eleitoral gratuito pela TV, com um tempo que é três vezes o de seu adversário do segundo lugar, voltará a subir na preferência do eleitorado e vencerá.
A Santana, porém, são atribuídos problemas políticos graves da campanha, como a recusa do candidato do PMDB ao governo de São Paulo, Paulo Skaf, a abrigar na sua a campanha de Dilma. O marqueteiro de Skaf, Duda Mendonça, acha que todo o barulho é feito por João Santana. Os dois vivem uma espécie de revanche recíproca. Santana é também o marqueteiro de Alexandre Padilha, o candidato do PT ao governo de São Paulo que não sai do lugar nas intenções de voto. O PT culpa João Santana, por se dedicar só a Dilma.
O PT, por sinal, já vinha às turras com João Santana desde o primeiro semestre, por ter cobrado do partido a conta do programa partidário antes de mostrar a obra concluída. Primeiro, deu cópias a outras pessoas de sua convivência, só depois ao partido pagante.
Agora, para o horário eleitoral obrigatório, o PT, já decidido a elevar o papel do ex-presidente, avisou a Santana que Lula gostaria de ancorar o programa. Consultada, Dilma negou provimento ao pedido. Mandou dizer ao ex-presidente que tem muito a mostrar de seu governo e gostaria de ser ela mesma a âncora. Mostrou-se convicta que, ao começar o programa de TV, estará dando o passo decisivo para vencer a eleição no primeiro turno. Lula recolheu-se e avisou que ficaria em SP para trabalhar por ela, por Alexandre Padilha e para cuidar do Fernando Haddad, os três cuja situação está mais para perder votos do que para ganhar. A rejeição é generalizada e alta.
Lula não a acompanhou em duas performances no Estado, mas não está confortável, ainda, com a situação. O ex-presidente está sob intensa pressão. De um lado, os fregueses do governo ainda reclamam, com irritação e desejo irrefreável de sonegar apoio financeiro à reeleição; de outro, o PT está exigindo que o ex-presidente embale mais o mateus que produziu. A constatação é que Lula a elegeu mas deixou o governo correr solto demais e agora precisa retomar a influência no segundo mandato para tutelar o governo até a sua hora, em 2018.
Tudo isto não tem figurino constitucional, formal ou oficial. Não se perceberá mudança institucional na ação do ex-presidente ou do seu partido. Lula sabe que Dilma vai reagir, pois quer fazer o segundo mandato a seu gosto, já que não precisa mais pleitear o apoio para o futuro.
Será uma reforma da atitude política. Lula é quem precisa, agora, de um governo eficiente e condições políticas para voltar na disputa seguinte. É um jogo de sobrevivência mais para ele e seu partido do que para ela. A presidente não terá mais nada a perder, já foi mais longe do que poderia imaginar.
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