• Se até ontem o país parecia um trem de alta velocidade, hoje anda na direção de um beco sem saída.
- Jornal do Brasil
O jornal espanhol El País, publicou nesta sexta-feira (7/11) um artigo de Juan Arias, analisando a atual situação do Brasil. Segundo o jornalista, as melhores expectativas que existiam anos atrás, foram abaladas pelos recentes índices negativos, além da crescente corrupção e os problemas sociais do dia a dia.
“Um perigo ronda o Brasil: o de se precipitar na depressão, abalado por tantas notícias negativas. Não é fácil, realmente, passar da euforia de um país encantado consigo mesmo, invejado mundo afora, que havia deixado de ser o eterno país do futuro, descobrir-se de repente caminhando em marcha a ré.
Melhor a depressão ou a ira como remédio contra os demônios que parecem ter se apoderado do país e que as eleições, em vez de apaziguar, ressuscitaram com maior força?”, questiona Juan Arias.
O jornalista fala do atual cenário, mais desanimador: “Não é psicologicamente saudável para os brasileiros ler que, pela primeira vez depois de 10 anos, cresce o número de miseráveis, que alcança já 10 milhões, enquanto uma empresa como Petrobrás se vê supostamente saqueada em 10 milhões de reais.
A fome volta ao Brasil enquanto cresce a corrupção, que vai abalando o mundo político e empresarial. Quanta miséria seria possível aliviar com o fruto de tantas ilegalidades perpetradas por aqueles que deveriam velar pelas riquezas do país?
Se até ontem amigos espanhóis me escreviam desejosos de vir até aqui porque o Brasil estava se transformando na meca da esperança e das oportunidades, dói ler hoje que há brasileiros com vontade de ir embora para morar fora porque se sentem decepcionados e deprimidos”.
O artigo cita os problemas sociais na vida cotidiana do brasileiro, e especialmente do carioca: “Dói ver que as cidades aqui são cada dia mais violentas. A GloboNews, apresentou dias atrás uma reportagem que me causou uma profunda tristeza. Ela filmou no centro do Rio cenas de cidadãos sendo assaltados por bandos de 15 a 20 adolescentes, com faca na mão, enquanto esperavam o ônibus para ir ou voltar do trabalho.
Homens e mulheres corriam aterrorizados; alguns chegaram a enfrentar os assaltantes. Muitos contaram que decidiram esperar o ônibus todos os dias dentro das lojas em vez de aguardar nos pontos, para se proteger melhor.
Era gente comum, que não tem carro, que já sofre horas para ir e voltar do trabalho, apertados dentro de ônibus velhos e desconfortáveis. Como se não bastassem os assaltos dentro dos ônibus, os passageiros têm que se proteger agora contra a violência enquanto esperam na rua. E isso, no centro da "Cidade maravilhosa", que de fato nos deixa mudos de tanta beleza. Maravilhosa e violenta”.
O jornalista prossegue: “A reportagem contava que nas últimas semanas a polícia havia detido mais de 400 adolescentes assaltantes. Para fazer o que com eles? Para enterrá-los em um sistema penitenciário quando o próprio ministro responsável confessou que preferira ser condenado à pena de morte do que viver numa das prisões do Brasil?
Esta história não é uma digressão na minha análise. Eu quis lembrá-la como sendo emblemática desse desencanto de tantos cidadãos de bem, que trabalham e se sacrificam para que o país cresça e progrida e são obrigados a viver acossados pela violência de bandos de adolescentes sem presente e sem futuro.
Se até ontem o Brasil parecia um trem de alta velocidade a caminho de uma nova primavera de prosperidade e até a modernidade, hoje, tendo em vista os índices cada dia mais negativos em todos os aspectos, desde os econômicos até os sociais, parece mais um trem que começa a se mover na marcha a ré até uma via morta”.
“Os psicólogos e sociólogos se esforçam para ver nesta crise a etimologia da palavra chinesa "oportunidade". O Governo explica que nunca foi tão vistosa a praga da corrupção porque em vez de escondê-la debaixo do tapete, hoje ela é combatida e investigada. A nova oposição - derrotada nas urnas, mas forte com seus 51 milhões de votos - prefere pensar que o Brasil "acordou" de sua letargia de conformismo e passividade atávica e quer agora fazer com que sua voz e seu protesto sejam ouvidos.
O desencanto não é só visível, mas até palpável. É possível ver os sinais na pele irritada dos cidadãos. O momento é crítico, tanto na acepção portuguesa como chinesa da palavra. A crise é real.
E pode ser também uma oportunidade para que, juntos, os brasileiros não se conformem com o a situação. Pressionados pela realidade dolorosa de que as coisas em vez de melhorar parecem começar a murchar, é possível e desejável que transformem a crise em uma nova onda de novas oportunidades”, aponta o artigo do El País.
Juan Arias conclui com otimismo: “Nesse sentido, melhor a ira, no bom sentido da palavra, ou seja, o inconformismo em relação ao que não funciona, a luta para melhorar, a determinação de exigir contas aos responsáveis políticos do governo e da oposição. Melhor isso do que deixar-se levar para a depressão, que tantas vezes é uma porta para o suicídio.
Melhor a irritação, o desabafo, o grito de protesto, a vontade de ser protagonista da própria história do que o silêncio cúmplice da passividade que até ontem os brasileiros comuns, os que se achavam sem poder, haviam esculpido triste e graficamente através da frase: "Fazer o que?".
A resignação aceita como fatalismo costuma desembocar no fracasso. A vontade de se empenhar para mudar as coisas é, ao contrário, a ante-sala da esperança que se recusa a morrer.
Sim, melhor a ira do que a depressão. Para todos, porém mais para os brasileiros que deixariam de ser assim no dia em que renunciassem a poder desfrutar de seus pequenos ou grandes espaços de felicidade.
Tudo menos deixar-se morder pela depressão que nos tira até a vontade de respirar”.
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