quarta-feira, 26 de julho de 2017

Juventude esquecida | Monica de Bolle *

- O Estado de S.Paulo

No Brasil, Argentina e Uruguai gasta-se, em média, 11% do PIB em benefícios para idosos

“Em horas inda louras, lindas.” Fernando Pessoa

Horas inda louras, o bônus demográfico latino-americano que marcou a última década na América Latina. A explosão da juventude em idade ativa, a queda da taxa de desemprego entre os jovens durante os anos de bonança. Clorindas e Belindas, brandas, viram o desemprego dos jovens despencar de 20,3% em 2003 para 14,6% em 2013. Desde então, o tempo das berlindas e o tom de atoarda todo o alarde se impuseram. Hoje, países como Brasil e Colômbia simbolizam o desalento da juventude esquecida: a taxa de desemprego dos jovens já ultrapassa os 20%, brusco retrocesso em apenas 4 anos. Por quê?

No caso brasileiro, seria fácil atribuir a aflição e o desalento de milhões de jovens à recessão, à má gestão da economia, à crise política que não tem hora para acabar. Contudo, não é tão simples, como argumentei em artigo recente para a revista Americas Quarterly (“Como os governos latino-americanos favorecem os idosos”). Sistemas previdenciários mal formulados e mal geridos sugam recursos que poderiam ser melhor empregados nas áreas de saúde preventiva, programas sociais, e, especialmente, em políticas para melhorar o acesso da juventude ao mercado de trabalho. No Brasil, Argentina, e Uruguai gasta-se, em média, 11% do PIB em benefícios para os idosos, ou cerca de 37,5% a mais do que gastam os países mais ricos e desenvolvidos, membros da OCDE. Cabe lembrar que os países mais ricos e desenvolvidos – sobretudo os da Europa e o Japão – são justamente os que hoje vivem o drama do envelhecimento populacional, da queda da população em idade ativa. Portanto, deveriam esses países ter gastos proporcionalmente mais elevados com a população idosa do que se vê na América Latina, e não o contrário.

Um estudo do Banco Mundial mostra que o aumento do desemprego de jovens latino-americanos deduz cerca de 0,4 ponto porcentual do crescimento anual. Quando se avalia os dados relativos ao nível individual e domiciliar, conclui-se que o desemprego dos jovens diminui a renda média esperada ao longo da vida ativa em cerca de 25% a 45%. Reflitam por um momento sobre essa estatística: ela diz que um jovem que não consegue entrar no mercado de trabalho por qualquer razão – baixo nível educacional, qualificações inadequadas, ausência de apoio da família e do Estado em sua formação – terá, no pior dos casos, cerca de metade da renda de outro jovem que não enfrentou os mesmos obstáculos para iniciar uma carreira. Ou seja, a juventude esquecida não só atordoa na eterna tarde que já não torna, como também eleva sobremaneira os níveis de desigualdade futuros de qualquer país afetado por tamanha mazela. Nesse Brasil ainda profundamente desigual, onde mais de 20% dos jovens não têm emprego, tal perspectiva é assustadora.

Se o gasto com benefícios aos idosos é demasiado, se a Previdência é ineficiente, se faltam recursos para investir na juventude, óbvio seria que a Reforma da Previdência – não a versão diluída e distorcida para favorecer a sobrevivência política de Temer, mas uma reforma da Previdência que atendesse às necessidades de políticas públicas destinadas aos jovens e resolvesse parte do problema fiscal de médio prazo – fosse defendida a ferro e fogo por Clorindas e Belindas, Fernandos, Albertos, Álvaros, Ricardos, e tantos outros jovens mais. Excelente seria se, a partir de 2018, o próximo governo soubesse explicar – com credibilidade e convicção – para os jovens brasileiros que a reforma da Previdência é pauta não de políticos desgastados, não de complexidades fiscais reais, porém difíceis de explicar ao público geral, mas sobretudo da juventude esquecida do País. Afinal, é fato que na América Latina gastam-se míseros 0,4% do PIB regional em treinamento vocacional, política essencial para adequar a formação profissional às necessidades do mercado de trabalho. A razão? Os desperdícios de recursos com sistemas previdenciários onerosos e os gastos mal-direcionados e mal-intencionados, como revela o caso brasileiro.

No poema de Pessoa há nevoentos desencantos, santos lentos dos recantos, prantos de intentos, lentos, tantos. O Brasil não precisa continuar assim.
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* Economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University

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