segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Marcus André Melo*:Terapias imaginárias

- Folha de S. Paulo

Passada a euforia em torno da reforma eleitoral, a discussão centra-se no sistema de governo. As terapias propostas para problemas imaginários associados ao presidencialismo de coalizão são múltiplas, e os equívocos sobre esse arranjo institucional igualmente numerosos.

Presidencialismos de coalizão existem da Colômbia à Indonésia. Difícil entender exatamente como a forma modal de estrutura constitucional no mundo pode explicar patologias como as que têm sido apontadas para o caso brasileiro: corrupção sistêmica, os deficits fiscais ou crises que levam ao impeachment presidencial etc. Não há evidência robusta de que presidencialismos de coalizão —sem qualificações— engendrem patologia alguma.

Quase 2/3 das democracias do mundo são presidencialistas ou semipresidencialistas. O resto é parlamentarista: nesse grupo, as coalizões multipartidárias chegam a 80%. Na base de dados sobre democracias presidencialistas de Tim Power (Oxford University) há 613 observações (ano-país) entre 1974 e 2013, presidentes minoritários formaram coalizões multipartidárias em 52% dos casos.

A única exceção são os Estados Unidos, que nunca tiveram uma coalizão de governo. O país —ubíquo nas discussões entre quem não é da área— é um caso à parte dentre os 104 países presidencialistas e semipresidencialistas minimamente democráticos.

Há três casos de presidentes minoritários que se defrontaram com partidos majoritários no Legislativo: El Salvador (durante um ano), Colômbia (oito anos) e República Dominicana (dois anos). E só!

A discussão originária sobre esse desenho institucional no país deu-se a partir de chaves distintas. Afonso Arinos, Victor Nunes Leal e Gilberto Amado saudaram o multipartidarismo: ele teria não apenas solapado o hiperpresidencialismo da Velha República como permitido —pela primeira vez— que a oposição ascendesse ao poder nos Estados.

Sérgio Abranches, pai do conceito, analisou o arranjo em chave diversa e negativa: o elemento definidor do presidencialismo de coalizão seria o grau de dependência da governabilidade à existência de uma coalizão majoritária e razoavelmente coesa. O complicador seria nossa heterogeneidade estrutural –e não o desenho institucional– que se manifestava nas barganhas federativas e na relação do presidente com seu partido.

A nossa crise e profunda malaise tem raízes institucionais e não institucionais que já discuti alhures. E é preciso distinguir equilíbrios locais (gerado por mudanças nas microrregras) do equilíbrio geral (produto de mudanças de macrorregras e imprevisível).

O hiperinstitucionalismo vem acompanhado de certa naiveté e jacobinismo; o experimentalismo incrementalista é melhor conselheiro.
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*Doutor pela Sussex University, é professor titular de ciência política da UFPE.

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