- Valor Econômico
Cenário externo tornará a economia brasileira ainda mais dependente da expansão da demanda privada doméstica
Este é o terceiro ano consecutivo em que o otimismo do início do ano dá lugar a projeções cadentes de crescimento econômico. Acontecimentos domésticos são em geral apontados como responsáveis por essas viradas: a gravação que gorou as chances da reforma da previdência, em maio de 2017; a greve dos caminhoneiros, um ano depois; e, este ano, a constatação de que Executivo e Legislativo terão uma relação conturbada, dificultando a aprovação de reformas.
Nos três anos, porém, fatores externos também tiveram um papel importante, em particular o crescente risco geopolítico que passou a caracterizar os EUA e a Europa, com o avanço do populismo. Pesaram, em especial, o receio de que, na esteira do Brexit, outros países deixassem a União Europeia, inviabilizando o euro como moeda comum, e o crescente protecionismo comercial americano, enfraquecendo as instituições multilaterais que ajudara a criar no pós-Segunda Grande Guerra.
Este ano, até aqui, o grande choque é a escalada da guerra comercial. O conflito com a China, que também envolve restrições ao acesso de empresas chinesas às tecnologias desenvolvidas nos EUA, é o destaque, mas não sua única manifestação: há uma decisão pendente sobre tarifar as importações de carros europeus pelos EUA; há a ameaça de elevar as tarifas sobre as importações americanas da Índia, retirando o país do Sistema Geral de Preferências; e há o risco de uma escalada nas tarifas sobre as exportações mexicanas para os EUA. Este último caso gerou especial inquietação, por estar associado a exigências do governo americano sobre questões que em nada se relacionam a acesso a mercado ou outras disputas de comércio exterior, mas sim à migração ilegal de centro americanos para os EUA.
Essa escalada protecionista vai prejudicar o desempenho da economia mundial nos próximos anos. Em documento divulgado esta semana, o FMI estima que "apenas" as tarifas às importações impostas ano passado e em 2019 pelos EUA e a China vão reduzir em 0,5 ponto percentual o crescimento mundial em 2020. A concretização da ameaça de tributar as exportações mexicanas para os EUA pode afetar profundamente a confiança empresarial. A eventual imposição de barreiras às importações de carros fabricados na Europa - e a retaliação que essa ensejará - podem ter impactos igualmente significativos.
O crescimento vai desacelerar na China e nos EUA, ainda que os dois tenham graus de liberdade para amortecer o impacto direto da perda de exportações e da confiança empresarial. A China já vem relaxando as políticas monetária, fiscal e de crédito bancário e também desvalorizou o câmbio. Nos EUA a principal resposta virá do relaxamento da política monetária: o mercado financeiro já precifica uma alta probabilidade de o Fed reduzir os juros básicos em 0,75 ponto percentual ainda este ano.
Países com economias mais ancoradas às cadeias globais de valor e pouco espaço para estimular a demanda doméstica vão ser especialmente afetados por essa escalada protecionista, que já se refletiu em significativa desaceleração do crescimento do comércio internacional. A Europa e alguns países asiáticos com economias muito integradas à China podem ser especialmente afetados.
O cenário hoje mais provável é que essa escalada protecionista prossiga nos próximos anos. Isso terá repercussões profundas na forma como a produção mundial é organizada, não apenas em termos de reduzir muito o papel das cadeias globais de valor, mas também de isolar mercados regionais uns dos outros, inclusive em termos das tecnologias utilizadas em cada um.
A prazo mais longo, isso também deve envolver uma mudança no papel do dólar como principal moeda de reserva e para a realização de operações financeiras e com commodities. A bolsa de petróleo de Xangai é um exemplo do que pode estar a caminho. Nesse caso, o renminbi e, possivelmente, também o euro, devem ganhar importância. Uma consequência negativa será a maior fragmentação também desses mercados.
A longo prazo, o Brasil, como o resto do mundo, deve perder com o aumento do protecionismo e a maior fragmentação dos mercados de bens, tecnologia e capitais. A curto prazo, porém, o impacto é ambíguo. Por um lado, o menor dinamismo da economia mundial vai reduzir o espaço para o país voltar a crescer via expansão das exportações. Além disso, a pressão competitiva das importações vai aumentar. Por outro lado, a tendência é que, com o corte de juros pelo Fed, o dólar se desvalorize. Combinado com um preço do petróleo mais baixo, por conta da desaceleração do PIB mundial, isso vai reduzir a inflação e abrir espaço para uma queda dos juros também no Brasil. Evolução que, aparentemente, já está em curso.
Isso facilitará a vida do Banco Central, mas não significa que o desempenho da economia brasileira, em especial em relação ao nível de atividade, vá melhorar. Pelo contrário, esse quadro tornará a economia ainda mais dependente da expansão da demanda privada doméstica, para o que é essencial avançar com as reformas, começando pela da Previdência.
*Armando Castelar Pinheiro é coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV e professor do IE/UFRJ.
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