Há
meses, Lira vem negociando individualmente com as bancadas de oposição; além de
verbas e cargos, oferece para cada grupo de interesse uma pauta específica
O
presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), anunciou, ontem, o nome do
candidato do seu bloco político ao comando da Casa, o deputado Baleia Rossi
(MDB-SP), o jovem presidente do maior partido do país e líder de sua bancada
federal, com 34 deputados. Rossi conseguiu reverter as resistências da maioria
dos deputados do bloco de esquerda, o que levou o deputado Aguinaldo Ribeiro
(PB), um dissidente do PP, a desistir de disputar a indicação no grupo de Maia.
Formalmente, juntos, os dois blocos somam 282 deputados, número mais do que
suficiente para ganhar a disputa com o candidato governista, Arthur Lira
(PP-AL), mas isso é apenas uma projeção otimista. A disputa será no corpo a
corpo, voto a voto.
É
aí que entra a história do bigode. Quando houve a fusão dos antigos esta dos do
Rio de Janeiro e Guanabara, em 1975, o brigadeiro Faria Lima, interventor
federal, fez um acordo com o ex-governador Chagas Freitas, cacique do MDB da
antiga Guanabara, para que fosse possível formar uma maioria que aprovasse a
Constituição do novo estado. Para chegar ao acordo, teve que atropelar a líder
do governo, deputada Sandra Cavalcanti (Arena), e entregar a relatoria da nova
Constituição a um deputado “chaguista”, José Maria Duarte (MDB). Originário do
antigo PSP, Chagas era um político populista, dono dos jornais O Dia e A
Notícia.
Duarte era amigo do lendário distribuidor de cinema Luiz Severiano Ribeiro, que o chamava para ver os filmes antes da estreia e sugerir a tradução dos títulos, que muitas vezes não tinha nada a ver com o nome original, como em “A morte não manda recado” (The Ballad of Cable Hogue), “Os brutos também amam” (Shane), clássicos do faroeste norte-americano, ou “Django não perdoa…mata” (L’Uomo, L’Orgloglio, La vendetta), o western italiano inspirado na ópera Carmem, de George Bisset. Frasista de primeira, chamava o anteprojeto de Constituição de “boneca” e mantinha segredo absoluto sobre os acordos envolvendo o interventor Faria Lima, Chagas Freitas e o senador Amaral Peixoto (MDB), velho cacique pessedista, que era o líder da oposição no antigo Estado do Rio.
Nessa
época, o time de jornalistas que fazia a cobertura da Constituinte da fusão era
de primeira linha: Mauricio Dias, Marcelo Pontes, André Luiz Azevedo, Rogério
Coelho Neto, Carlos Vinhais e Dácio Malta, entre outros. Mesmo assim, a crise
no dispositivo parlamentar do interventor era mantida em sigilo, até que Sandra
Cavalcanti resolveu chutar o balde. Nessa época, o antigo Diário de Notícias
ainda era o jornal dos professores e dos militares. Graças a isso, fui
escolhido por Sandra Cavalcanti para uma entrevista exclusiva, na qual
denunciou o acordo e renunciou à liderança, em caráter irrevogável. Foi então
que resolvi perguntar ao líder do MDB, Cláudio Moacir, deputado eleito por
Macaé, homem ligado a Amaral Peixoto, se a oposição pretendia formar a nova
base do governo. Em off, para minha surpresa, respondeu: “Não, nós vamos ficar
como bigode: na boca, mas do lado de fora”.
O
grupo de Maia soma 158 deputados, dos seguintes partidos: DEM (28), MDB (34),
PSDB (31), PSL (53), Cidadania (8) e PV (4). O PT, com 54 deputados, lidera a
oposição, que soma 124 deputados, com as bancadas do PSB (31), do PDT (28), do
PSol (10) e da Rede (1). Esse acordo de bancada precisa ser confirmado por cada
deputado, que negocia no fio do bigode; porém, como o voto é secreto, a palavra
empenhada não pode ser cobrada depois. Como dizia Tancredo Neves, a vontade de
trair é muito grande na cabine de votação.
Ninguém
sabe o que vai, de fato, acontecer. Lira vem negociando individualmente há
meses, inclusive com as bancadas de oposição, com uma agenda que não pode ser
subestimada, porque além de verbas e cargos, oferece pra cada grupo de
interesse uma pauta específica. Aos evangélicos, promete levar adiante a agenda
dos costumes; aos ruralistas, desmontar a legislação ambiental; aos
sindicalistas, a volta do imposto sindical; aos enrolados na Lava-Jato,
blindagem contra o Ministério Público Federal (MPF) e a flexibilização da
contagem do tempo de ilegibilidade da Lei da Ficha Limpa, na linha da liminar
do novo ministro do Supremo Tribunal federal (STF) Kassio Nunes Marques,
indicado por Bolsonaro. Muitos estão comprometidos com Lira.
Em tempo, feliz Natal!
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