Então nos amaremos
e nos desejaremos felicidades ininterruptamente, de manhã à noite, de uma rua a
outra, de continente a continente, de cortina de ferro à cortina de nylon — sem
cortinas. Governo e oposição, neutros, super e subdesenvolvidos, marcianos,
bichos, plantas entrarão em regime de fraternidade. Os objetos se impregnarão
de espírito natalino, e veremos o desenho animado, reino da crueldade,
transposto para o reino do amor: a máquina de lavar roupa abraçada ao
flamboyant, núpcias da flauta e do ovo, a betoneira com o sagui ou com o
vestido de baile. E o supra-realismo, justificado espiritualmente, será uma
chave para o mundo.
Completado o ciclo
histórico, os bens serão repartidos por si mesmos entre nossos irmãos, isto é,
com todos os viventes e elementos da terra, água, ar e alma. Não haverá mais
cartas de cobrança, de descompostura nem de suicídio. O correio só transportará
correspondência gentil, de preferência postais de Chagall, em que noivos e
burrinhos circulam na atmosfera, pastando flores; toda pintura, inclusive o
borrão, estará a serviço do entendimento afetuoso. A crítica de arte se
dissolverá jovialmente, a menos que prefira tomar a forma de um sininho
cristalino, a badalar sem erudição nem pretensão, celebrando o Advento.
A poesia escrita se
identificará com o perfume das moitas antes do amanhecer, despojando-se do uso
do som. Para que livros? perguntará um anjo e, sorrindo, mostrará a terra
impressa com as tintas do sol e das galáxias, aberta à maneira de um livro.
A música
permanecerá a mesma, tal qual Palestrina e Mozart a deixaram; equívocos e
divertimentos musicais serão arquivados, sem humilhação para ninguém.
Com economia para
os povos desaparecerão suavemente classes armadas e semi-armadas, repartições
arrecadadoras, polícia e fiscais de toda espécie. Uma palavra será descoberta
no dicionário: paz.
O trabalho deixará
de ser imposição para constituir o sentido natural da vida, sob a jurisdição
desses incansáveis trabalhadores, que são os lírios do campo. Salário de cada
um: a alegria que tiver merecido. Nem juntas de conciliação nem tribunais de
justiça, pois tudo estará conciliado na ordem do amor.
Todo mundo se rirá
do dinheiro e das arcas que o guardavam, e que passarão a depósito de doces,
para visitas. Haverá dois jardins para cada habitante, um exterior, outro
interior, comunicando-se por um atalho invisível.
A morte não será
procurada nem esquivada, e o homem compreenderá a existência da noite, como já
compreendera a da manhã.
O mundo será
administrado exclusivamente pelas crianças, e elas farão o que bem entenderem
das restantes instituições caducas, a Universidade inclusive.
E será Natal para
sempre.
Ah! Seria ótimo se os sonhos do poeta se transformassem em realidade.
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