domingo, 14 de novembro de 2021

Sérgio C. Buarque* - As fogueiras virtuais

Revista Será?

Na justa luta contra o preconceito e o desrespeito à diversidade, o movimento Politicamente Correto comporta-se como um dos baluartes da intolerância, com condenações a priori e desproporcionais ao que se consideram crimes de racismo ou homofobia. As redes sociais deste movimento se transformaram em fogueiras contemporâneas de purificação dos hereges, com massacres morais a qualquer desvio do seu padrão de correção política. Condenam e partem para o ataque, sem julgamento, a falas e atitudes que deveriam ser apuradas e analisadas com base na legislação brasileira que define e pune crime de racismo e homofobia. Cadeia, se for o caso. Mas a guerrilha do politicamente correto prefere partir direto para criminalizar, demonizando e, se possível, destruindo. 

A mais recente investida da sua rede inquisitória foi contra o jogador profissional de vôlei, com uma intensa pressão moral que provocou seu afastamento do clube que defendia e da seleção brasileira. O atleta está sendo trucidado moralmente por supostas declarações homofóbicas. Ele pode até ser homofóbico, mas o que está sendo condenado foi um comentário do jogador à foto de um novo “Superman” beijando um homem: “É só um desenho, não é nada demais. Vai nessa, que vai ver onde vamos parar”. A frase contém uma referência negativa a certa tendência de glamourização da homossexualidade e não uma rejeição ou agressão à homossexualidade. Como se tivesse pensado, com certa ironia, que “do jeito que as coisas vão, daqui a pouco o heterossexual vai ser visto com desconfiança, talvez até desprezo, quem sabe mesmo como uma aberração”. Mais ou menos como diz uma amiga homossexual, também com ironia, “o heterossexual é uma espécie em extinção”. 

O linchamento moral das milícias virtuais do politicamente correto, não apenas na questão de gênero, está criando um clima de desconfiança nas relações sociais e afetivas, gerando medo até de eventuais questionamentos das suas manifestações de intolerância. O pior é que estas fogueiras inquisitórias não ajudam em nada a acabar com o preconceito e o desrespeito às diferenças, a superar o racismo e a homofobia na sociedade brasileira. Muito pelo contrário, a motivação justa e correta de combate à homofobia e ao racismo pode estar levando ao seu oposto, os métodos desqualificando os honrosos objetivos. Simplesmente porque não se constrói uma sociedade tolerante através da intolerância, do ódio e da agressão às pessoas classificadas como criminosas pela métrica própria de qualquer movimento ou tendência política. 

Embora seja o oposto político e ideológico das milícias virtuais bolsonaristas – racistas e homofóbicas – a guerrilha politicamente correta se assemelha ao extremismo desta ultradireita, na precipitação do julgamento e na virulência da condenação dos hereges. Os dois lados desta polarização preferem as agressões morais (e até físicas) ao diálogo e à troca saudável de ideias, recorrem ao cancelamento no lugar da argumentação e do convencimento. Com objetivos nobres, o movimento politicamente correto está sendo conduzido por esta guerrilha virtual que se confunde com o que há de pior na sociedade brasileira. As maiores vítimas são a democracia e os valores civilizatórios. Não será surpresa se o articulista que ousa assinar este artigo for jogado também na fogueira.

*Economista com mestrado em sociologia, professor da FCAP/UPE, consultor em planejamento estratégico com base em cenários e desenvolvimento regional e local, sócio da Multivisão-Planejamento Estratégico e Prospecção de Cenários e da Factta-Consultoria, Estratégia e Competitividade. É sócio fundador da Factta Consultoria. Fundador e membro do Conselho Editorial da Revista Será? É membro do Movimento Ética e Democracia.

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