O Globo
Como não dá a menor atenção a questões
ambientais, sociais e de sustentabilidade, o presidente Putin não percebeu a
enorme mudança ocorrida nas corporações privadas ocidentais: a era da
responsabilidade social. E, assim, cometeu o maior erro de cálculo de seu
ataque à Ucrânia: não imaginou que as grandes multinacionais, envolvidas em
negócios bilionários com o governo e empresas russas, pudessem aderir de
maneira avassaladora às sanções contra o país.
Todas essas multinacionais estão perdendo
muito dinheiro. A Embraer informou que não prestará mais assistência aos 30
aviões que voam na Rússia. Nem assistência técnica, nem fornecimento de peças.
Logo, deixa de receber dólares por um serviço.
A BP simplesmente cancelou sua participação
no capital de empresas petrolíferas russas — assimilando uma perda patrimonial
de US$ 25 bilhões e perdendo acesso a importantes reservas de óleo e gás.
Por que fazem isso? Porque, no mundo
corporativo contemporâneo, contam muito os valores éticos, a responsabilidade
com o público e a sociedade.
Muita gente dizia que isso de ESG — environmental, social and governance —
era puro marketing. Uma enganação para parecer politicamente correto. Mas o
verdadeiro cancelamento que as multinacionais impuseram aos negócios com a
Rússia teve efeitos devastadores. As ações das 11 maiores empresas russas
listadas na Bolsa americana Dow Jones viraram pó. Uma queda de 98%!
Perderam riqueza empresas e pessoas russas, mas também empresas e pessoas do mundo ocidental.
As sanções de governos eram esperadas.
Mesmo assim, foram mais fortes do que se imaginava e podem escalar com a
proibição total de importação de petróleo e gás russos. A adesão tão completa
das multinacionais — às vezes, mais forte que as governamentais — é a parte
nova desta história.
O isolamento global imposto à Rússia é uma
atitude ao mesmo tempo geopolítica e moral. É para dizer: não, a Rússia não
pode invadir a Ucrânia e ponto final. A Rússia é a criminosa; a Ucrânia, a
vítima. E a ordem jurídica internacional, tal como definida na Carta da ONU,
também é vítima. A Rússia viola escandalosamente o princípio de integridade
territorial.
São inteiramente equivocadas as análises
segundo as quais a Rússia se sentiu ameaçada pelo avanço da União Europeia e da
Otan na direção do Leste Europeu, dos ex-satélites soviéticos. Sei que gente
bem-intencionada diz isso. Ainda assim, é um grave equívoco. E, sim, equivale a
dar razão a Putin.
A Rússia não estava sob nenhuma ameaça
militar. O que estava e está se desfazendo é a ideologia sustentada por Putin,
segundo a qual os valores ocidentais —liberdade individual, direitos de
minorias, imprensa e partidos livres e o modo ESG —estavam em colapso.
A tremenda reação do Ocidente provou o contrário.
Assim, pessoal, nada de adversativas, nada de “mas, porém”.
Compreendo que muita gente não gosta de ver
que o Ocidente está do lado certo desta vez. Como Lula. Ele disse no México que
os presidentes “envolvidos” deveriam cessar a guerra. “Envolvidos” — eis uma
expressão marota, para dizer o mínimo. A Ucrânia está envolvida na guerra ...
como vítima. É o cúmulo do mau-caratismo pedir que ela, Ucrânia, cesse a
guerra. E entregue tudo para o agressor?
Aliás, Bolsonaro também não condena a
Rússia.
Também é equivocado — e maneira indireta de
dar razão a Putin — dizer que é perigoso acuar o ditador russo. Trata-se do
contrário: é perigoso para o mundo deixar que Putin execute seu imperialismo
criminoso sem nenhuma oposição.
Os países do Leste Europeu que aderiram ou
estão aderindo à União Europeia e à Otan o fizeram livremente. Nem precisa
pensar muito para entender por quê. Você preferiria aliar-se a uma Europa
democrática e rica ou a uma ditadura imperialista?
As sanções geram uma inflação mundial. Mas,
como disse o presidente Zelensky, um dólar a mais no preço da gasolina não
parece caro diante do crime cometido contra o povo ucraniano.
Só as sanções podem levar o povo russo a
deter Putin.
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