O Globo
Acompanhei com perplexidade, minha
perplexidade derivando da simples observação do mundo real combinada a algo de
memória, o noticiário segundo o qual o Senado se mobilizaria para resistir ao
galope autocrático de Bolsonaro e defender — a partir da ode ao sistema
eleitoral — o Supremo.
Uau!
Haveria mesmo uma consciência institucional do Senado como última fronteira
parlamentar antes do golpe — consciência até aqui expressa em notas de jornal e
em tuítes do presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco.
E de repente me lembrei de o jurista Pacheco costurando para, em desprezo a um
comando constitucional óbvio, não instaurar a CPI, direito da minoria, que
investigaria a barbárie em que consistiu a atividade do governo durante a
peste.
Já teremos nos esquecido?
Do senador Randolfe Rodrigues, li que a Câmara estaria capturada pelo
bolsonarismo. O juízo é correto. A Câmara aderiu — capturar não será o verbo
correto — desde que a sociedade entre Planalto e o consórcio comandado por
Arthur Lira fundou bases na gestão obscura e arbitrária do Orçamento.
A questão — motivo da minha perplexidade — é o Senado como espaço de
resistência. Nada contra palavras em resposta aos arreganhos golpistas de
Bolsonaro. Tudo a favor de um olhar direto às práticas. A realidade, com sua
gritante objetividade, está aí.
O Senado resistente é o que se concerta
para garantir seus modos. Negocia-se.
Qual a diferença, verniz juscelino à parte, entre Alcolumbre e Pacheco,
herdeiro da gestão das emendas do relator cuja perda pranteou Davi? São
conhecidos os dados segundo os quais o fluxo de granas sai do Amapá para dar a
Minas o protagonismo no desaguar de codevasfs. Já escrevi a respeito.
Qual a credibilidade do presidente do Senado para defender a Justiça Eleitoral
brasileira — a transparência do sistema eleitoral — e a importância do
equilíbrio entre Poderes, se é um dos cabeças do mais acintoso desrespeito a
decisão do Supremo ora em curso? Ou terá Pacheco tornado pública — cumprindo já
velha ordem do STF — a lista dos parlamentares padrinhos, ele inclusive, de
dinheiros destinados arbitrariamente via orçamento secreto?
Ao liderar — contra o princípio constitucional da transparência na
administração pública — o desrespeito a uma determinação do Supremo, Pacheco
enfraquece muito ou muitíssimo o Poder sob ataque bolsonarista?
Até que ponto será possível a um operador de disfunções — de perversões —orçamentárias
defender o vigor institucional do STF, sendo um Supremo forte também,
infelizmente, aquele tribunal que se excede e avança sobre matéria exclusiva do
Legislativo para cassar parlamentares?
Supremo fraco é orçamento secreto forte. Supremo forte é o que se outorga o
condão de cassar deputados e senadores. Que tal o Supremo normal, dedicado ao
controle de constitucionalidade? Não será Pacheco a propor, muito menos
conduzir, o resgate republicano urgente, o de radicalização impessoal pelo que
dispõe a Constituição —o que secaria Bolsonaro. A bagunça conflitiva, a
imprevisibilidade que empossa oportunistas e multiplica tiranetes, tem seu
valor.
Há um contrato entre governo militar e, mais explicitamente, a Câmara de Lira,
mas não somente. Contrato, com vista às eleições, também para blindagem do
golpista Jair, firmado na gestão pirata do Orçamento —hoje nas mãos do ministro
Ciro Nogueira, um senador. E Pacheco quer continuar presidente do Senado em 23.
Qual seu interesse em confrontar, de verdade, o governo do golpista, se isso
seria confrontar o arranjo que lhe dá a cota alcolúmbrica do Orçamento? Ele não
quer ser ex-alcolumbre. Não tão cedo. Negocia-se. Bolsonaro joga em casa.
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