O Globo
O grande capital industrial, comercial e
financeiro se posiciona abertamente pela democracia, contra ameaças de golpe
Para Jô Soares
Os grandes bancos privados são extremamente
cautelosos em suas relações com o governo, Legislativo e Judiciário. Têm seus
motivos: o sistema financeiro é muito regulado, o que significa funcionar sob
um emaranhado de leis e normas. É custoso, algo que precisa ser negociado o
tempo todo. Um artigo numa lei qualquer pode significar prejuízo direto. Ou
lucro, claro.
Além disso, banco é objeto do ódio
universal. Uma instituição que paga 10 quando você aplica e cobra 30 quando
você toma emprestado não pode pretender ser amada pelo público.
São infinitas as frases que exprimem esse
sentimento. “O que é pior, roubar um banco ou fundar um?” — que aparece em
diversas versões. O celebrado economista John Kenneth Galbraith também entrou
no assunto: “A maneira como os bancos ganham dinheiro é tão simples que é
repugnante”.
Politicamente, é um escândalo. De um lado,
o pobre devedor, de outro, o banqueirão. Resultado: leis que dificultam a
cobrança de dívidas e aumento sistemático de impostos sobre o pecaminoso lucro
financeiro.
Populismo, claro. Quanto mais complexa a
concessão do crédito, quanto mais difícil a cobrança e quanto maior o imposto,
maior a taxa de juro. Lógico: a taxa de juro é a medida do risco de não
receber.
Algum político topa isso? Não.
E mesmo nós, jornalistas, temos de tratar
do assunto com o máximo de cuidado. Trata-se de um difícil equilíbrio, quase
impossível: colocar a lógica econômica sem provocar a ira dos leitores.
Tudo considerado, é muito significativa a
decisão dos três maiores bancos privados brasileiros de não conceder crédito
consignado aos beneficiários do Auxílio Brasil. Até podem alegar questões
técnicas — como dar empréstimo tendo como garantia uma renda provisória? —, mas
a decisão tem claro conteúdo ético e político.
Político, porque desafia uma jogada,
populista, do presidente Bolsonaro — oferecer dinheiro aparentemente fácil a
pessoas vulneráveis, que estão precisando e não têm educação financeira.
Pequenos bancos, financeiras,
correspondentes bancários já estão correndo atrás dos beneficiários do auxílio
e oferecendo dinheiro na mão por juros de 80% ao ano — valor que, claro, não é
mencionado. Nesse caso, o juro tem de ser muito caro mesmo, pois o banco
precisa recuperar seu dinheiro rapidamente, em poucos meses, porque não sabe se
o benefício será mantido. Por isso, aliás, não se fixou teto para a taxa de
juros. Vamos falar francamente: um negócio sujo, sórdido.
Caindo fora, os grandes bancos dizem “não”
ao presidente Bolsonaro e prestam satisfações a seus acionistas, a clientes e
ao público em geral. Não podem se associar a uma operação descaradamente
eleitoreira, do pior tipo. Tentar comprar o voto dos pobres, dane-se o que vai
acontecer com eles mais à frente.
Outra questão agora é o comportamento das
duas grandes instituições públicas: Banco do Brasil e Caixa. Serão obrigados a
entrar? Provável. O que o BB dirá a seus acionistas privados?
A negativa dos grandes bancos privados não
é movimento isolado. Junta-se às manifestações pela democracia preparadas pela
sociedade civil, pessoas físicas e jurídicas. Mais de 750 mil indivíduos já
assinaram a Carta pelo Estado de Direito que será lida no dia 11 de agosto. E a
poderosa Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, a Fiesp, lidera um
manifesto de associações empresariais, incluindo a dos bancos, e centrais
sindicais, com o mesmo teor.
O grande capital industrial, comercial e
financeiro se posiciona abertamente pela democracia, contra as ameaças de
golpe. Bolsonaro não pode mais dizer que se trata de uma cartinha de
comunistas.
Lembrei uma frase de Jô Soares: “Se o
comunismo acabar, quem é que vai levar a culpa?”.
Satanás, quem sabe?
Enfim, a semana foi boa: a sociedade civil de novo mobilizada pela democracia. Ao mesmo tempo, é triste. Tantas décadas depois da queda da ditadura, ainda tem quem a queira de volta. Pior: há ameaças à democracia no mundo todo. A vigilância tem mesmo de ser permanente.
Um comentário:
O pai do Caetano Veloso dizia que pior que o comunista é o anticomunista,mais válido do que nunca.
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