terça-feira, 25 de outubro de 2022

Carlos Andreazza - Lula contra o antipetismo

O Globo

Muita gente ainda surpresa com a competitividade de Bolsonaro. Subestima-se o antipetismo; o principal motor a promover o candidato. Outros motores: o bolsolão, também chamado orçamento secreto, e a derrama de bilhões, na forma da PEC Kamikaze, que o bolsolão comprou no Parlamento e que ora resulta em que a população financie o esforço concentrado pela reeleição.

Subestima-se o antipetismo a ponto de o PT haver aprovado essa emenda constitucional; que autorizou o governo a distribuir assistências bilionárias em plena campanha.

Subestima-se o antipetismo a ponto de o PT não ter acionado o TSE contra o pacotão de bondades por meio do qual o governo, formalizando os abusos de poder político e econômico, extinguiu qualquer paridade de armas. A subestimação que chancela a covardia; o medo de uma ação contra os benefícios eleitoreiros ser explorada pelo zap profundo bolsonarista como gesto petista de hostilidade aos mais pobres.

Tudo será — tudo é — explorado. Mas qual o pior risco? Denunciar o atentado à lei eleitoral e barrar abusos empilhadores de votos, e então ir defender o lance em termos narrativos, ou deixar correr uma disputa desequilibrada pelo jorro dos bilhões?

A campanha petista preferiu se dedicar às ações judiciais contra mentiras, o que devolveu a Bolsonaro o lugar de agente antiestablishment; aquele contra o qual se associariam tribunais superiores e o PT. Bolsonaro, o sócio de Arthur Lira, Ciro Nogueira e Valdemar Costa Neto, de repente reencarnando a persona do antissistema...

São escolhas. A de pelejar no terreno bolsonarista, o da briga de rua, rebatendo mentiras com mentiras e dando ao adversário a gestão da pauta. Uma escolha.

Se o presidente alcançar a reeleição, terá sido mais pelos efeitos da PEC Kamikaze e de outras boiadas que a porteira arrombada (com ajuda do PT) deixou (e deixa) passar do que pelos estragos das fake news.

Bolsonaro é, sempre foi, competitivo. Tem base social. Como não chegaria forte a esta reta final? Que presidente, disputando a reeleição, não chegou? Todos chegaram. E venceram.

Isso quererá dizer que vai decretada a vitória de Bolsonaro? Não. Diz que decretado sempre esteve que seria parelho.

Mas houve a pandemia, Andreazza. Não contaria para lhe frear as chances? Sim. Até que o mundo real se impusesse, e o primeiro turno anistiasse os criminosos da pandemia. A mensagem foi clara. As pessoas querem esquecer a peste. (E gostariam, não sendo petistas, de saber se um Meirelles dirigirá a economia sob Lula.)

É verdade que Bolsonaro chegou — posição inédita ao incumbente — em segundo lugar. Qual o peso do vírus — da forma perversa como o tratou — para esse revés? Ou a dificuldade de Bolsonaro terá derivado sobretudo de haver enfrentado não apenas um ex-presidente, mas um que é Lula?

Lula desafia o antipetismo, cuja subestimação permitiu a Bolsonaro concorrer financiado pelo Tesouro. Desafia também, pois, erros e soberbas de sua campanha improvisada. Aquela que apresentou uma carta aos evangélicos escrita por Gilberto Carvalho.

A força personalíssima de Lula posta contra o antipetismo e a campanha de Lula. É o que se joga.

Esta corrida eleitoral não é a da rejeição. Isso é coisa do passado. É a do desprezo. Do horror. São sentimentos que petrificam. Que interditam quase completamente as circulações. As posições estão tomadas. As tendências — as indecisões — sendo mais resguardos, talvez dissimulações, que votos ainda em formação.

Daí meu ceticismo sobre se o caso Roberto Jefferson — ato de terrorismo por um apoiador próximo do presidente — seria capaz de provocar algum trânsito eleitoral relevante; funcionar como gatilho para que Bolsonaro perdesse votos ou deixasse de consolidar os que se lhe movem.

O antipetismo continua se revelando; e com grande força de anulação sobre ocorrências negativas. O antipetismo relativiza barbáries. Está estabelecido.

Para superá-lo, para vencê-lo de modo a provocar consequências eleitorais a partir dos tiros de Jefferson, a campanha petista deveria ter conseguido transformar em solo seu uma grande virtude da história de Lula no poder: goste-se ou não, seus governos foram previsíveis. Ofereceram estabilidade; contra um período, o de Bolsonaro, em que o próprio presidente foi — é — o gerador de distúrbios.

O eleitor brasileiro, aquele de um conservadorismo difuso, que já votou em Lula e Dilma, é sensível a esse discurso; o da segurança para olhar adiante e planejar o passo. A campanha petista teria de se constituir sobre essa diferença para que pudesse capitalizar a percepção do ato criminoso de Jefferson como propriedade bolsonarista.

Sem enfrentamento estrutural, combatido só com embalos, o antipetismo relativizará tudo. E será Lula contra o antipetismo e contra a subestimação do antipetismo.

 

2 comentários:

Anônimo disse...

"Subestima-se o antipetismo; o principal motor a promover o candidato. Outros motores: o bolsolão, também chamado orçamento secreto, e a derrama de bilhões, na forma da PEC Kamikaze, que o bolsolão comprou no Parlamento e que ora resulta em que a população financie o esforço concentrado pela reeleição."

Mais um erro de avaliação. O antipetismo não é o principal. Não mesmo.
Note q qd Lula tinha a máquina, ele dominava. Conclusão óbvia, a não ser pra quem redige mal: a máquina é mais importante/ forte do q o antipetismo.
Qd LULA for presidente, a máquina tb fará seu trabalho.

ADEMAR AMANCIO disse...

O antipetismo é forte e a máquina do governo também.