quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Vera Magalhães - Para vencer, Bolsonaro terá de ganhar votos de Lula

O Globo

Transferência direta de eleitores do petista no primeiro turno para o presidente teria como chave Auxílio Brasil e outras benesses de governo

É impossível uma virada de Jair Bolsonaro sobre Luiz Inácio Lula da Silva que leve à vitória do presidente em 30 de outubro? Parece ser esta, na terceira semana do segundo turno, a pergunta que todos tentam responder à medida que sucessivas pesquisas mostram a lenta, porém constante, redução das vantagens do petista sobre o candidato do PL em diversos segmentos da pesquisa de intenções de voto e também a recuperação de Bolsonaro em outros fatores chaves para levar ao voto, como a rejeição e a avaliação de seu governo.

Com poucos votos ainda em disputa, pelo que mostram os levantamentos (indecisos somam 1% e aqueles que dizem pretender votar em branco ou nulo são 4%, de acordo com o Datafolha), os fatores que podem ocasionar a virada são a abstenção, que pode atingir de forma desigual eleitores de um e de outro, e a difícil, mas não impossível, transferência direta de votos que Lula teve no primeiro turno para o presidente.

Mas o que pode levar a que um eleitor que apertou 13 em 2 de outubro decida mudar de ideia no dia 30 e marcar 22? Mais que a comparação entre o que cada um fez, conta a expectativa, que pode ter sido alterada nas três semanas de campanha adicional, do que pretendem fazer, em várias esferas.

A campanha na mídia e nas redes sociais até aqui tem se concentrado nos temas morais e simbólicos, em busca do eleitorado religioso e conservador. Mas impacto igual ou maior pode ser exercido pela expectativa de melhora de vida traduzida em benefícios sociais e econômicos, como o Auxílio Brasil e outras benesses que vêm sendo anunciadas, com frequência praticamente diária e sem nenhuma contenção por parte da Justiça Eleitoral.

Muito se falou que talvez não houvesse tempo de que a anabolizada de 50% no Auxílio, concedida fora do prazo permitido pela lei eleitoral e com aval da oposição e do próprio Judiciário. Mas o segundo turno tem servido para que essa percepção de que foi Bolsonaro quem garantiu mais ganhos aos mais pobres se espraie.

O presidente bateu muito nessa tecla no debate, e fez recortes eficientes desses trechos para a propaganda eleitoral nesta semana.

Outros combos de benefícios, como renegociações de dívidas, uso do FGTS, 13º do próprio Auxílio e o controverso crédito consignado para os que integram o benefício ajudam a construir essa sensação de que a vida melhorou graças ao presidente.

Há um dado na pesquisa Datafolha que, juntamente com o avanço de Bolsonaro em São Paulo e em Minas, deveria acender a luz vermelha piscante no QG petista. Segundo a diretora do instituto, Luciana Chong, entre os que recebem Auxílio, Lula recuou de 62% para 56%. Bolsonaro saltou de 33% para 40%. Isso pode já mostrar que eleitores desse segmento que votaram no ex-presidente na primeira etapa estão optando por Bolsonaro agora, por fazerem um cálculo pragmático de que ele é quem melhor pode assegurar a manutenção do valor de R$ 600. Esse efeito pode se mostrar sobretudo no Nordeste, no Norte e no norte de Minas, o estado-pêndulo de todas as eleições e, por isso, tradução fiel do que acontece no país há muitos pleitos.

O centro que não soma

Além de as pesquisas apontarem para essa dificuldade muito séria num eleitorado que parecia consolidado, Lula não cresceu no segundo turno. Segue estagnado desde a primeira semana. Isso significa que não conseguiu traduzir em votos apoios relevantes que recebeu no chamado centro e até na centro-direita, de nomes como Fernando Henrique, Simone Tebet, João Amoêdo e dos pais do Real. Por quê?

Porque esses apoios ainda não foram seguidos, por parte da campanha do petista, em manifestações de que a frente ampla vai valer para além de discurso para enfrentar o bolsonarismo.

Não adianta nada apoiadores de Lula, como Rui Falcão, dizerem que não querem jogar com a bola que os novos integrantes do time trouxeram para o campo, porque a tradicional de capotão do PT é a bola-raiz.

O eleitorado que foi às urnas em 2 de outubro e vai voltar no fim do mês está à direita do PT. Uma boa parte dele não tem saudade desse passado idílico que Lula insiste em vender, em vez de mostrar o futuro que desenha para os brasileiros.

Quem está por ele, em grande parte, está por horror a Bolsonaro, e o petista não tem sido inteligente para dar a esse público que será fundamental para sua vitória algo a que se apegar.

Se a rejeição ao presidente diminui e o número dos que acham seu governo bom cresce na mesma proporção em que cai o dos que consideram sua gestão ruim, esses deveriam ser elementos a mostrar ao PT que só com base no que foi feito duas décadas atrás, sem uma resposta convincente até agora para a corrupção e sem acenar ao centro, talvez só apelar para o antibolsonarismo não seja suficiente para fazer frente à máquina usada sem dó e às fake news que comem soltas por aí.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

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