quinta-feira, 3 de novembro de 2022

Malu Gaspar - O governo Lula nas mãos do STF

O Globo

As manifestações de bolsonaristas e bloqueios de rodovias ainda podem continuar provocando tumulto e espanto pelo radicalismo por mais alguns dias, mas a tendência é que a cada dia fiquem mais longe no retrovisor. O bolsonarismo ou a direita, porém, continuarão existindo e terão bases firmes no Congresso Nacional a partir do ano que vem.

Só o PL, partido de Jair Bolsonaro, elegeu 99 deputados e 15 senadores, sem contar os outros partidos que sustentaram o governo derrotado até aqui e se colocaram à direita do espectro político. Somadas as bancadas de PP, Republicanos e União Brasil, são 246 deputados, quase metade dos 513 da Câmara. Como bom Centrão, essas legendas não terão problemas em fazer uma guinada fisiológica para o centro e começar a votar com o governo Lula.

A questão, como sempre em Brasília, será o custo.

Há duas décadas, quando Lula foi eleito pela primeira vez, o Centrão cobrou caro para apoiá-lo no Congresso. Chegou a fazer greve de votações na Câmara para tomar conta de uma diretoria da Petrobras. Foram vitoriosos, e o resultado todos conhecemos.

Esses tempos ficaram no passado. Nas palavras de um conhecedor dos modos e humores do Centrão, foram superados da mesma forma que o iPhone 1 foi superado pelo iPhone 13. Assim como a Apple com seus celulares, esse pessoal desenvolveu novas tecnologias de ocupação da máquina que os tornaram menos dependentes do Executivo.

Mesmo com o fim do governo Bolsonaro, a direita ainda tem pelo menos 12 governos estaduais, entre eles São Paulo, e um naco do fundo partidário proporcional ao tamanho das bancadas. E controla o principal: o orçamento secreto, também chamado de emendas do relator ou de RP9.

Com acesso a essas emendas parlamentares de distribuição automática, cujo destino pode ser resolvido no Congresso sem que o presidente da República apite coisa alguma, o Centrão se “emancipou”, por assim dizer.

É nesse novo contexto que Lula precisará encontrar recursos para começar o ano cumprindo as promessas mais básicas. Só para manter o valor do Auxílio Brasil em R$ 600, mais os R$ 150 por criança de até 6 anos, serão necessários R$ 70 bilhões que não estão disponíveis.

Na campanha, Lula também prometeu acabar com o orçamento secreto, para obter mais controle dos recursos da pauta do Congresso. Só que não vai rolar, e o PT sabe disso.

Em público e nos bastidores, os parlamentares já deram o recado: no orçamento secreto, ninguém mete a mão. O próprio relator, senador Marcelo Castro (MDB-PI), que se reunirá hoje com o time da transição, já disse ao Estado de S. Paulo:

—Eu não vou propor isso. Não vivo de fantasia, vivo de realidade.

E acrescentou:

— Imagina propor uma coisa que não tem chance nenhuma de ser aprovada.

A primeira consequência desse impasse, o próprio senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) já reconheceu publicamente: Lula não apresentará candidatos contra os presidentes da Câmara, Arthur Lira, ou do Senado, Rodrigo Pacheco, que disputam a reeleição em fevereiro.

— Tem uma determinação da parte do presidente eleito de não interferir na disputa, ao passo que é fundamental também a construção da maioria para garantir a governabilidade —disse à CNN.

Segundo Randolfe, Lula buscará compor um “governo de reconciliação nacional”, não apenas com os dez partidos que o apoiaram, mas “com todas as forças políticas deste país que quiserem construir a reconciliação nacional”.

A tarefa de unir o país é urgente e necessária, mas não dá para ignorar que Pacheco e Lira ainda têm sob seu controle R$ 8 bilhões que restam do orçamento secreto para distribuir neste ano -- desde que o ministério da Economia consiga incluí-los sob o teto deste ano.

Contra essa bolada, Lula, que nem tomou posse ainda, não poderá competir. É essa a costura que acontecerá nos próximos dias em Brasília, em reuniões do time de Lula com os caciques do Centrão, e do próprio Lula com Pacheco e Lira.

A menos, é claro, que o Supremo Tribunal Federal decida julgar nas próximas semanas uma ação pendente na corte e declare inconstitucionais as emendas do relator.

Se cai o orçamento secreto, o jogo se transforma completamente.

Até a eleição, tudo o que se ouvia em Brasília era que os ministros estavam dispostos a fazê-lo. Não é impossível, porém, que Lula e o Centrão considerem o tumulto das manifestações destes dias e prefiram se arranjar como der para isolar a extrema direita — com furo no teto de gastos, com as emendas de relator, com Supremo e com tudo.

Periga até trocar o nome do orçamento secreto para orçamento sagrado. E vamos que vamos.

 

3 comentários:

ADEMAR AMANCIO disse...

Malu Gaspar sabe das coisas.

Anônimo disse...

Sagradas são as mentiras de Bolsonaro, ungidas (eu falei ungidas, não mugidas) pelos pastores safados do rebanho desmiolado...

Paulo dos Santos Andion disse...

Isso é o que acontece lá dentro mas o problema está aqui fora conforme os Discursos de Campanhas nos estados, quanto as nomeações para cargos importantes como para comandar a CONAB com todo esse dinheiro em "mão de vaca"! Tem que ser alguém com grande influência no Agronegócio...