O Globo
Governo eleito precisa entender o resultado
apertado do segundo turno
As manifestações golpistas em diversas
capitais, em frente a prédios do Exército, são consequência não de supostas
fraudes eleitorais, que não aconteceram, mas da tentativa permanente do
presidente derrotado de virar a mesa durante todo o seu mandato. Ao demorar
quase 45 horas para se pronunciar sobre o resultado da eleição, e ao fazê-lo de
maneira estudadamente cifrada para permitir que seus seguidores mais radicais —
os que estão nas ruas pedindo intervenção militar — entendessem que estimulava
suas ações antidemocráticas, Bolsonaro alimenta o ambiente conturbado desde o
início de seu governo.
Sabe-se que, mais uma vez, foi preciso
muita insistência para que o presidente moderasse o palavreado em seu
pronunciamento, suficiente para que a transição democrática fosse iniciada com
o reconhecimento do resultado, ao agradecer os 58 milhões de votos que recebeu
no segundo turno. Meias-palavras ditas de má vontade, que precisaram ser
interpretadas por uma nota oficial do Supremo Tribunal Federal (STF), que as
tornou a aceitação oficial do resultado da eleição.
Tão sibilino foi no seu pronunciamento de dois minutos — para quem falou apenas 15 minutos na tribuna mundial da ONU, até que foi muito —, que teve de pedir explicitamente numa live que os caminhoneiros desobstruíssem as rodovias. Mas voltou a dar força para as manifestações que aconteceram, endossando indiretamente a palavra de ordem que as dominou, o pedido de intervenção militar.
Multidões reunidas para protestar fazem
parte da democracia, mas, para defender ilegalidades como intervenção militar,
não são aceitáveis. Bolsonaro, no entanto, não as criticou, nem poderia, pois
foi o primeiro a montar manifestação em frente ao Quartel-General do Exército
em Brasília quando já era presidente da República, numa atitude de confrontação
que prenunciava a disposição de estimular uma revolta institucional a seu
favor.
Não teve o apoio esperado dos militares em
nenhum dos momentos cruciais que provocou, cujos destaques foram as
comemorações do 7 de Setembro. Mesmo agora, apenas a cúpula da Polícia
Rodoviária Federal (PRF) teve a ousadia de aderir a vergonhosos movimentos
golpistas no dia da eleição, na tentativa de impedir que eleitores do Nordeste
fossem às urnas. Também na desobstrução das rodovias, a PRF atuou com
negligência. Todos esses movimentos protelatórios de repressão a ilegalidades,
ou demora em reconhecer a derrota, tinham um objetivo: dar tempo para que
apoios golpistas viessem ao encontro dos manifestantes.
Nada aconteceu porque não há ambiente, no
país ou no mundo, para respaldar tal insensatez. Governos democráticos, e
outros nem tanto, chancelaram a vitória de Lula, e os primeiros passos para a
transição foram dados, apesar de Bolsonaro. O pronunciamento do (ainda)
presidente, não por acaso fantasiado de Zelensky, instando a que desobstruam as
rodovias trouxe um recado já pressentido: ele pretende liderar essa massa de
eleitores que quase lhe deram a vitória nas urnas.
Para tanto, terá de usar mais as redes
sociais que os partidos políticos, pois esses já estão em outra “vibe”,
negociando com os vencedores a participação no grupo de transição. Não
interessa aos parlamentares, atuais ou eleitos, uma convulsão no país. O
Congresso só tem importância na democracia. Não quer dizer que a tendência
reformista vá ser superada ou que a ideologia de centro-direita que o domina vá
ser abandonada.
Significa que o presidente eleito Lula terá
muita dificuldade de governar se não entender o que aconteceu no domingo
passado. Milhões de eleitores preferiram Bolsonaro a ele, por razões diversas,
fortes o suficiente para transformar uma eleição que sempre se deu como líquida
e certa numa vitória apertada. Bobagem essa conta de que Lula não teve maioria,
pois, somando nulos e em branco, a maioria não votou nele. O segundo turno
existe justamente para que o presidente seja eleito pela maioria, por menor que
seja a diferença.
Mas o fato de Bolsonaro ter conseguido
virar 7 milhões de votos, enquanto Lula apenas 3 milhões, quer dizer alguma
coisa. Quando Lula tinha mais de 80% de aprovação, os petistas, soberbos,
desdenhavam:
—Em que mundo vivem esses que são contra?
Viviam num mundo que está se revelando
agora e que precisa ser entendido pelo governo que começa em janeiro para que
não se viva para sempre no país conturbado que permitiu a um político tosco e
abjeto como Bolsonaro tornar-se o intérprete de seus anseios e receios.
3 comentários:
Uma pequena parcela dos eleitores de Ciro e Simone migraram para o Lula,a maioria votou em Bolsonaro.
Apesar de não gostar do PT, prefiro ele por 30 anos que um dia dó Bolsonaro.
Concordo com o anônimo.
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