segunda-feira, 26 de junho de 2023

Bernardo Mello – Bolsonaristas adotam discurso menos radical

O Globo

Aliados acenam com desradicalização e miram espólio de Bolsonaro, julgado pelo TSE

Em meio ao julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que pode resultar na inelegibilidade de Jair Bolsonaro, aliados acenam com uma desradicalização de olho na sobrevivência política. O próprio ex-presidente vem tentando seguir a estratégia. Em declarações recentes, ele classificou a si mesmo como de “centro-direita” e diminuiu os ataques ao Judiciário. No caso de parlamentares e lideranças que se alinharam ao bolsonarismo nas eleições de 2022, por outro lado, o movimento abre caminho para tentativas de herdar o espólio político do ex-presidente e de buscar também eleitores moderados que estejam descontentes com o governo Lula (PT).

Um dos focos dessa estratégia é o apoio para que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), projete-se como sucessor de Bolsonaro caso o ex-presidente seja vetado pelo TSE nas eleições de 2026. Além da adesão de caciques de partidos como PP e o Republicanos, que se coligaram a Bolsonaro no ano passado e já acenaram publicamente a Tarcísio, a aposta no ex-ministro da Infraestrutura agrada a integrantes de outras siglas que tradicionalmente fazem oposição ao PT.

Identidade própria

Uma dessas legendas é o União Brasil, que tem indicações em ministérios na gestão petista, mas se declara independente na Câmara e é o principal adversário do partido de Lula na Bahia. No estado, o deputado federal José Rocha (União-BA) declarou recentemente ao site Política Livre que uma candidatura de Tarcísio terá o apoio de ACM Neto, provável candidato do União ao governo estadual em 2026. Na última eleição, Neto se manteve neutro no pleito presidencial; Rocha, seu aliado, manifestou apoio a Bolsonaro no segundo turno.

— Bolsonaro fica muito para a direita. Tarcísio tem capacidade maior de dialogar e tem um aprendizado político como governador de São Paulo. Vejo grande possibilidade de o União Brasil caminhar em torno dele não só na Bahia, mas em todo o país — afirmou Rocha.

No PL, integrantes da sigla defendem a liderança de Bolsonaro enquanto ponderam que o partido precisa desenvolver identidade própria. Em vídeo divulgado após o início do julgamento no TSE, o presidente nacional da legenda, Valdemar Costa Neto, disse ter “convicção” de que o ex-presidente seguirá na política, mas frisou outras agendas. “Para que a gente possa ganhar a eleição de 2026, precisamos internamente fortalecer o partido”, afirmou.

Na visita do ex-presidente ao Rio Grande do Sul, na sexta-feira passada, apoiadores chegaram a agendar uma motociata para recebê-lo, mas o evento foi cancelado às vésperas da chegada. Na pandemia da Covid-19, os passeios de moto ficaram marcados como eventos nos quais Bolsonaro descumpriu restrições sanitárias e mobilizou sua base mais radical.

Segundo o deputado estadual Rodrigo Lorenzoni (PL-RS), filho do ex-ministro Onyx Lorenzoni, o próprio Bolsonaro solicitou que a motociata fosse deixada “para outro momento”. A orientação também foi de evitar ataques ao Judiciário. O PL gaúcho organizou a visita para estimular filiações e, de acordo com Lorenzoni, estruturar o partido.

— A eleição de Lula em 2003 foi uma construção de décadas da esquerda, enquanto a direita não tinha uma base consolidada quando venceu em 2018. Estamos justamente tentando consolidar essas bases. A eleição de 2022 mostrou que candidatos sem estrutura têm maior dificuldade. Para 2026, a comparação de uma pauta econômica liberal com a plataforma da esquerda, e os efeitos que isso causa para o país, será um tema central — afirmou.

O cientista político Emerson Cervi, professor da UFPR, avalia que o bolsonarismo é um movimento heterogêneo formado por “forças sociais de interesses difusos” que se agruparam politicamente sob a liderança do ex-presidente. A eventual saída de Bolsonaro da arena eleitoral, para Cervi, “pode fazer com que essas forças não mais se reconheçam” entre si. O pesquisador também observa que o PL se converteu, com Bolsonaro, em um partido de “direita radical” que segue sob comando de Valdemar, um “expoente da direita fisiológica”.

— A direita radical consegue se manter em contato com suas bases sem depender tanto dos caciques, que tendem a ser mais pragmáticos. A organização do bloco bolsonarista passará pela capacidade de manter laços com a origem social desse movimento. É importante ressaltar que não foi exatamente a postura radical de Bolsonaro que o fez perder a eleição, e sim a incapacidade de atingir as expectativas do eleitor com o desempenho do governo.

Entre os evangélicos, um dos segmentos com maior volume de apoio ao ex-presidente, segundo pesquisas eleitorais, lideranças têm modulado o discurso para se reposicionar como oposição ao PT. Na quinta-feira, o deputado Marco Feliciano (PL-SP), um dos principais aliados do ex-presidente, disse não “concordar com tudo o que ele fez” e frisou que a ascensão da direita “não surgiu por causa de Bolsonaro“, mas sim que ele foi um “representante” de um movimento de oposição iniciado no governo Dilma Rousseff (PT).

Bancada evangélica

O sociólogo Humberto Ramos, doutor pela Ufscar, afirma que lideranças evangélicas se aproximaram de Bolsonaro apostando em uma plataforma conservadora, mas não necessariamente radical, que já vinha ganhando musculatura com a atuação da bancada evangélica. Coordenador no Brasil da Otros Cruces, organização que estuda interseções entre religião e política, Ramos aponta que a possível inelegibilidade terá desdobramentos na afinidade evangélica com o ex-presidente.

— A bancada evangélica tem senso de oportunidade e uma leitura muito sagaz do contexto político. Por outro lado, a inelegibilidade poderia alimentar um discurso de perseguição que dialoga com esse segmento, cujo setor hegemônico e conservador já viu com bons olhos a capacidade de Bolsonaro mimetizar valores cristãos — ponderou.

Adaptação bolsonarista

Aliados lançam estratégias para sobreviver politicamente mantendo distância segura do ex-presidente.

Busca por candidato 'moderado' — Possível inelegibilidade de Bolsonaro acelerou movimentações para que o herdeiro político do ex-presidente seja um nome que combine o apoio do bolsonarismo à capacidade de dialogar com eleitores mais ao centro. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, é uma alternativa.

Organização partidária — Em lugar de iniciativas consideradas espontâneas ou individuais, mais similares à trajetória política do próprio Bolsonaro, aliados próximos pregam a importância de consolidar o PL como partido "orgânico" da direita — e comparam a estratégia ao método usado pelo PT, à esquerda, para chegar à Presidência em 2003.

Pautas econômicas e conservadoras — Sem Bolsonaro nas urnas, correligionários tendem a trocar rotina de ataques ao Judiciário e às eleições, além de eventos como motociatas, por um discurso amparado em ações de governo, com enfoque na agenda econômica. Outro foco é a defesa de pautas conservadoras; não radicais.

Foco na oposição ao PT — Mais do que alinhamento a Bolsonaro, formato das críticas à gestão petista na Presidência da República é visto como elemento-chave para pavimentar um candidato de oposição a Lula.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Então tá!