sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

Flávia Oliveira - Empurrão do mínimo

O Globo

Há impacto benéfico dos reais a mais destinados ao consumo, em particular de alimentos

A recomposição do salário mínimo, promessa de campanha do então candidato ao terceiro mandato presidencial, será o primeiro empurrão na atividade econômica em 2024. A política de valorização real do piso, abandonada nos anos de Michel Temer e Jair Bolsonaro na Presidência, alcança trabalhadores formais e informais, servidores municipais, beneficiários da Previdência, da Assistência Social, do seguro-desemprego; altera faixas de renda para inclusão no Bolsa Família. A ênfase dos analistas nos gastos públicos, ainda que importante, quase sempre deixa de lado o impacto benéfico dos reais a mais destinados ao consumo, em particular de alimentos.

Com o novo valor, de R$ 1.412, a partir de 1º de janeiro, Luiz Inácio Lula da Silva terá incrementado o salário mínimo em R$ 110, desde maio passado. O primeiro aumento, de módicos R$ 18, entrou em vigor naquele mês. Agora, virão mais R$ 92, resultado da fórmula que combina INPC acumulado e crescimento do PIB dois anos antes. A soma faz diferença no orçamento familiar dos mais pobres. Para ter uma ideia, o preço do botijão de gás de 13kg varia de R$ 90 a R$ 120 Brasil afora; no Rio, R$ 50 compram 1kg de alcatra em bifes.

Segundo o Dieese, o novo mínimo será suficiente para comprar quase duas (1,87) cestas básicas em São Paulo. Será a maior proporção desde 2020. Se o dinheiro for mesmo, prioritariamente, para a compra de alimentos, supermercados e feirantes não terão do que reclamar. Multiplicado por 13, para quem tem décimo terceiro nos rendimentos vinculados ao piso, o ganho anual será acrescido de R$ 1.196. O Dieese estima que 59,3 milhões de brasileiros tenham renda atrelada ao mínimo.

O instituto calculou em R$ 69,9 bilhões o impacto do novo mínimo na economia; R$ 39,7 bi retornarão aos cofres públicos na forma de impostos. O economista Marcelo Neri, da FGV Social, há tempos estuda os efeitos das políticas públicas na atividade. O Bolsa Família é o mais proveitoso: para cada real gasto, R$ 1,78 entra na roda da economia. No Benefício de Prestação Continuada, pago a idosos e pessoas com deficiência em situação de pobreza, a relação é de R$ 1 para R$ 1,19; no seguro-desemprego, R$ 1 para R$ 1,06. Na Previdência, menos efetiva, cada real despeja R$ 0,53.

— A valorização do salário mínimo é política expansionista. Terá impacto de redução da pobreza e da desigualdade. Até os beneficiários do Bolsa Família serão alcançados, porque as faixas de renda de referência (meio mínimo per capita ou três salários de renda domiciliar total) vão subir. Se a proporção de pobres em 2023 será a menor da História, por causa do redesenho do programa, o recorde deve ser batido em 2024 — diz Neri.

O economista vê a recomposição do piso como estratégia para empurrar o PIB, enquanto os juros básicos caem gradualmente. A Selic termina 2023 em 11,75% ao ano; no Boletim Focus, do Banco Central, a previsão para o fim de 2024 caiu de 9,25% para 9%. Em ano de eleições municipais, aumento de renda e queda do desemprego costumam melhorar o humor do eleitorado. No primeiro ano do terceiro mandato, Lula não disparou em popularidade. O aumento de R$ 18 do mínimo em 2023 foi usado pela oposição bolsonarista para criticar o presidente. Essa provocação cai por terra agora.

Há boas razões sociais e políticas para anabolizar o salário mínimo, valor que é referência na remuneração de trabalhadores com e sem carteira assinada, empregadas domésticas, beneficiários de programas oficiais. Do lado que preocupa, há o impacto nas contas públicas. A folha de salário das prefeituras tem forte vinculação ao piso, principalmente em municípios pequenos do Nordeste. Quase 14% dos empregos são remunerados com o piso. Na Previdência Social, o efeito é igualmente expressivo. Reajuste do mínimo é gasto permanente. Por isso tantos economistas chamam a atenção para o impacto fiscal. Sem arrecadação satisfatória, acaba em aumento de imposto ou endividamento. Será bem-vindo o exercício equilibrista de produzir bem-estar sem descontrole nas despesas.

Um feliz ano, leitores. Que 2024 nos seja leve. E farto.

 

3 comentários:

Anônimo disse...

■■■Bem: esta jornalista, a Flávia, com certeza ela não é economista mesmo; como jornalista ela tem um texto bastante bom, bem melhor do que o meu, mas para tratar de aumento real de salário mínimo falta a ela ter um pouco de conhecimento sobre a relação entre remuneração de trabalho e aumento de produtividade.

■Claro que, senso comum, dar aumento real para a remuneração do trabalho daqueles que recebem salários menores é uma virtude. Mas, dependendo do todo da economia, este aumento de salário pode não ser bom para ninguém, nem mesmo para os que supostamente se beneficiam; e para os que se beneficiam o aumento de hoje pode até significar uma perda maior que a dos outros amanhã.

■É bem recomendável que jornalistas da editoria de economia conheçam fundamentos do tema que cobrem. E é muito importante também que editores estejam atentos para que certos temas venham acompanhados da necessária reflexão.

Flávia até faz ponderações pertinentes ao final do artigo, mas insuficientes para relacionar a baixa produtividade de nossa economia e outros desequilíbrios, especialmente tamanho da dívida e déficit primário, com política de aumento de renda.

Possa ser que a jornalista até conheça estas relações e saiba perfeitamente que remuneração deve ser função de produtividade e não do desejo virtuoso de melhorar a renda dos mais pobres e só não estabeleceu esta relação neste artigo por motivos que ela não revelou.

Anônimo disse...

■■■Ocorre que, se o aumento de salário concedido estiver em desacordo com o que sustenta a fonte para o seu pagamento, o aumento dado servirá hoje para embonitar a imagem de quem o concedeu, mas amanhã essa "compra" de imagem política pode resultar em efeito contrário para a economia como um todo e .ais ainda para o trabalhador supostamente beneficiado, provocando estagnação e recessão econômicas no país, com desemprego, queda de renda e perda da qualidade dos serviços prestados à população mais pobre pelo Estado devido a queda de arrecadação.

Nós todos, eu, você e a Flávia, vimos um quadro deste ser fermentado no Brasil muito recentemente, entre 2006/7 e 2015/16. O resultado deu em recessão, desemprego, inflação, juros altos, dor... E deu em coisa pior::
■Deu em Jair Bolsonaro.

■■■Sim, eu sou completamente a favor de que o valor do salário mínimo seja recuperado.
■E sou a favor de que seja recuperado agora, e não amanhã.

Mas para que a recuperação do salário mínimo seja feita hoje sem causar agravamento das contas públicas é necessário, junto com arbitrar este ganho do salário mínimo, arbitrar também a perda que vai compensar o aumento concedido e indicando quem perde.

Ocorre no Brasil que o salário mínimo é tão aviltado que precisa mesmo e com urgência conseguir aumentar o seu poder aquisitivo. Só não existe mágica para isso e, se não estamos em condições de que alguém ganhe sem que ninguém perca, é fundamental arbitrar as perdas no mesmo momento em que arbitra os ganhos.

Economia não é uma ciência da abundância; economia é uma ciência da carência. Se não houve aumento dos recursos para uma rubrica "Pagamento de Pessoal" e se quer conceder aumento para uma parte, ao arbitrar a parte que vai ganhar há que se arbitrar junto a parte que vai perder.

Em uma economia que apresenta problemas graves e este é o caso do Brasil, que encontra-se em semi-estagnação desde o início dos anos 80 e com a gravíssima recessão entre 2014 e 216, antes que o incubente consiga sanear os desequilíbrios, reverter o déficit fiscal, reverter o déficit primário e retomar o crescimento econômico e ganho de produtividade, todo gasto que for aumentado tem necessariamente que ser acompanhado de corte para diminuição proporcional em outra linha de gasto.

Se pensar que por mágica se possa arbitrar apenas ganhos, sem que junto sejam arbitradas as necessárias perdas, as consequências são as que nós brasileiros já estamos experimentando desde 2014 e destas consequências temos uma mostra ainda mais dura na nossa vizinha Argentina.

Anônimo disse...

Se continuarmos errando como temos errado, em algum momento vamos fazer as coisas desabarem todas de uma vez e nossos erros vão acabar nos levando a coisa pior do que aconteceu há pouco ao nos ter levado a Jair Bolsonaro.