Folha de S. Paulo
Partida vai além da disputa esportiva e
envolve sentimentos e contradições humanas
A partida de futebol não
pode ser vista somente como uma disputa esportiva de habilidade, criatividade,
técnica, estratégia, força física e de acasos. É também um espetáculo complexo,
lúdico, teatral, prazeroso e de fortes emoções. Todos os sentimentos e
contradições humanas estão presentes.
A estratégia dos treinadores, importante para
o sucesso de uma equipe, vai muito além dos esquemas táticos, jogadas ensaiadas
e da movimentação dos jogadores. Uma das qualidades importante de um treinador
é perceber, observar durante o jogo os detalhes técnicos surpreendentes,
objetivos e subjetivos. É o mais difícil. O treinador precisa aceitar que em um
jogo há mais duvidas do que certezas.
Na Copa de 2018, contra a Bélgica, Tite demorou a perceber que o centroavante Lukaku se deslocava para direita, acompanhado pelo zagueiro Miranda, deixando espaços pelo meio por onde o meio-campista De Bruyne avançava e fez um dos gols. Não estava previsto. No mundial de 2022, não havia como Tite corrigir a sucessão rápida de erros de vários jogadores brasileiros que levaram ao empate contra a Croácia e depois a eliminação do Brasil nos pênaltis.
Os esquemas táticos servem de referencia, de
repressão. São avisos, mensagens, que os atletas não podem ultrapassar certos
limites, fazer tudo que desejam, colocar as desmedidas ambições acima do
coletivo. Assim é também na vida. O esquema tático é a consciência crítica, o
superego dos atletas. Nem tudo que desejamos é possível.
Por outro lado, se a disciplina e as
estratégias forem muito rígidas, perde-se a espontaneidade, a alegria, a
descontração, a inventividade e a fantasia dos cidadãos e dos atletas, que se
tornam mais tensos. É o mal estar da civilização, como diria Freud, de um jogo
de futebol.
Em muitas partidas, a imaginação se torna
mais importante para a execução dos fundamentos do que a técnica. Ás vezes, os
lances mais bonitos e decisivos não foram ensaiados. Em uma fração de segundos,
os grandes jogadores tomam decisões lucidas, corretas e surpreendentes. É um
saber que antecede o pensamento. Os neurocientistas chamam de inteligência
cinestésica, do movimento.
A inventividade tem a ver com as fantasias da
infância. Os grandes craques são os que unem a técnica e a disciplina com a
brincadeira. Fazem nos grandes estádios de futebol do mundo o que imaginavam na
infância, na diversão com a bola.
Não se pode separar o jogo que acontece no
gramado do espetáculo das torcidas. É outro o futebol sem publico, como vimos
durante a pandemia. Com frequência, as equipes jogam melhor e vencem mais vezes
quando estão em casa apoiados pela torcida. Além disso, as torcidas costumam
inibir os jogadores visitantes. Os maiores times do mundo são os que conseguem
brilhar dentro e fora de casa.
Infelizmente, nem tudo é festa. Marginais
costumam se infiltrar entre as torcidas e provocar violências e comportamentos
preconceituosos, racistas e homofóbicos. Pior, vários torcedores influenciáveis
seguem os marginais. Eles não se sentem responsáveis pelos seus atos. O
responsável é o grupo, a multidão.
Todos nós que trabalhamos no esporte, em
diversas áreas, precisamos evoluir para melhorar a qualidade do espetáculo. O
futebol e o país necessitam ser imparciais e menos tendenciosos.
No próximo ano, pretendo amar ainda mais os
que amo e desfrutar mais das coisas quemvivo e das que desejo viver. Feliz ano
novo a todos.
7 comentários:
Dos que li, um dos melhores textos sobre futebol do ano.
Excelente!
■■Eu concordo completamente! Tostão é tão excelente como cronista quanto foi como jogador de futebol e sempre vale a pena a leitura dos seus textos.
■Só a excelência de tostão consegue pegar um jogo que é narrado assim:: lá vai lá vai lá vai lá vai; lá vem lá vem lá vem lá vem; lá vai; lá vem.... e transformar em uma crônica que é prima do samba, da pintura e da conversa proveitosa.
E tostão é de um talento tão indecente para pensar e escrever sobre o ser humano que enquanto nos ganha para a leitura falando de futebol ele vai tirando a nossa roupa e nos deixando nus ao expor a nossa humana natureza.
Também acho um texto muito bem escrito e interessante. Mas discordo em parte quanto a "violências e comportamentos preconceituosos, racistas e homofóbicos" serem provocados por marginais infiltrados nas torcidas. Isto sempre foi parte do meio futebolístico, e torcedores "normais" ou fanáticos sempre tiveram tais comportamentos reprováveis, ainda que minoritários, sem serem influenciados por "marginais infiltrados".
Um texto cheio de obviedades. Mais do mesmo, do primeiro ao último parágrafo. Descobriu a pamonha nesse texto. A única coisa aproveitável que disse foi o Feliz ano novo, o qual agradeço cordialmente, e também desejo a ele e a todos um feliz ano novo, pedindo a Deus o fim do massacre que a Rússia impõe a Ucrânia e a pacificação entre o Hamas e Israel.
UM DRIBLE DE LETRA FEITO POR UM CRAQUE.
■■■Os jogadores de futebol excepcionais exercem o melhor de sua arte com uma simplicidade impressionante. Um jogador destes especiais, quando de posse da bola, param na nossa frente e, fazendo pouca coisa, só depois de estarmos caídos no chão é que vemos que ele fez que foi, não foi, e acabou "fondo".
■A descrição que Tostão faz neste texto do comportamento do ser humano ao agir em grupo e, tirando proveito de estar em grupo, mais que se desmarcar da delinquência que é ele que está praticando, não importando se também está sendo feita por outros, ele transfere a culpa para não assumir uma reponsabilidade que é dele, e é de cada um, Tostão escreve com simplicidade tão grande que podemos achar mesmo que é simplória. Mas só o desconcerto que a descrição causa, por si só já foi uma jogada de efeito.
■Como todo drible para ser realmente bom precisa ser concluído com um arremate, e um arremate que de preferência seja desconcertantemente simples que deixe o oponente no chão, Tostão se expressa comentando o comportamento do brasileiro em relação a uma paixão e um valor nacional, que é o futebol, e expande de modo pertinente a imagem que acabou de usar, se inclui, e conclama à tomada de responsabilidade e de amadurecimento emocional e humano de que, eu concordo com Tostão, nós brasileiros precisamos.
■■■Depois de ter partido do futebol, que ele praticou com tanta simplicidade e arte, Tostão amplia a ideia, se inclui e nos enreda assim::
■ " Todos nós que trabalhamos no esporte, em diversas áreas, precisamos evoluir para melhorar a qualidade do espetáculo. O futebol e o país necessitam ser imparciais e menos tendenciosos. "
=》O espetáculo tem que continuar, mas estamos precisando melhorar muito. E, como diz Tostão, necessitamos ser imparciais e menos tendenciosos.
Os que fomos driblados por Tostão e estivermos no chão, aproveitemos para recolher nossos argumentos que caíram e é desejável que tenhamos mais fair play.
LER TOSTÃO FAZ BEM
E DÁ UM BOM PROVEITO
■■■Existem livros com coletânias
de textos de Tostão publicados; vale muito a pena buscar estes textos para ler. Também há bastantes bons textos de Tostão que podem ser encontrados na internet.
O que é expressado nestes textos é de uma simplicidade e de uma humanidade tão grande e escrita, digamos assim, com tanta habilidade literária por este que foi um dos cérebros de uma seleção de futebol excepcional e que depois cursou medicina e atuou bastante como médico, tendo se especializado em uma área médica mais ligada ao afeto, a psicossomática, e em seguida se ocupado de uma área que não é nada médica, a psicanálise, mas são as duas áreas muito atentas às dores, dificuldades e pequeníssimas importantes conquistas do bicho humano, que essas crônicas valem muito a leitura.
Tostão deve ter tomado muito mais consciência do significado e importância que tem o futebol para o brasileiro, sendo o futebol o valor nacional que é, depois de atuar por 16 anos como médico ligado ao afeto. Foi talvez a preocupação em dar assistência às pessoas em suas catarse das dificuldades o que levou Tostão de volta ao futebol, retomando o seu trabalho de crônica, onde ele fala mais do torcedor que da torcida ou dos jogadores e times.
Gostei do artigo e dos comentários,exceto de um.
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