Valor Econômico
Presença do ex-presidente Fernando Collor à
posse de Ricardo Lewandowski foi um símbolo do vigor do establishment político
depois do vendaval da Lava-Jato
A presença do ex-presidente Fernando Collor
no Palácio do Planalto na manhã dessa quinta, durante a posse de Ricardo
Lewandowski no Ministério da Justiça, em linha reta diante do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, nada teve de anormal. Pelo contrário, foi um símbolo do
vigor do establishment político depois do vendaval da Lava-Jato.
Collor não recebeu a deferência de ser citado
na cerimônia, como foi seu antecessor, José Sarney, mas lá estava na primeira
fila, a mesma em que se sentavam os ministros do Supremo Tribunal Federal que
começam a julgar a partir do dia 9 o embargo de declaração que o ex-presidente
apresentou contra sua condenação a 8 anos e 10 meses de prisão por corrupção
passiva, no âmbito da Operação Lava-Jato. A situação jurídica do ex-presidente
é delicada, mas o ambiente político lhe é favorável.
O julgamento, virtual, deve se encerrar antes da posse de Flávio Dino, agora ex-ministro da Justiça, no STF, a casa de Lewandowski até abril do ano passado. Muitos titulares da Justiça já foram para o Supremo no passado, e uns poucos aposentados da suprema corte foram para o governo, mas esse movimento nunca havia acontecido simultaneamente. A harmonia entre Judiciário e Executivo parece ter atingido um de seus níveis mais altos.
Dentro em breve, provavelmente ainda este
mês, o senador Sergio Moro (União Brasil-PR), símbolo maior da operação que
condenou Collor, tem um encontro marcado com seu destino. O Tribunal Regional
Eleitoral do Paraná irá julgar as ações do PL do ex-presidente Jair Bolsonaro e
da coligação do PT do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que buscam a
cassação do seu mandato por abuso do poder econômico. Cabe a Lula indicar um
dos integrantes do TRE que irá julgar seu antigo julgador. Situação jurídica
delicada, ambiente desfavorável.
A maré em Brasília é a de reescrever a
história. Ainda nessa quinta-feira, o ministro do STF Dias Toffoli determinou a
suspensão do pagamento das multas da Odebrecht, aliás Novonor, no âmbito do
acordo de leniência firmado com a Lava-Jato. Decisão previsível, uma vez que em
setembro do ano passado Toffoli declarou como imprestáveis as provas que
embasaram o acordo.
Uma nova renegociação deve acontecer depois
que a empresa tiver acesso ao acervo da Operação Spoofing, em que estão as
mensagens comprometedoras trocadas por Moro e integrantes da extinta
força-tarefa. O caso envolvendo a empresa já foi classificado pelo Departamento
de Justiça dos Estados Unidos como “o maior caso de suborno da história”. Mas
para Lula a versão é outra: “Tudo o que aconteceu nesse país foi uma
mancomunação entre alguns juízes desse país e alguns procuradores desse país
subordinados ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos que nunca aceitaram
o Brasil ter uma empresa como a Petrobras ”,
disse há duas semanas.
Quem via a cena de hoje percebe uma distância
no tempo inacreditável entre fevereiro de 2024 e aquele março de 2016 em que
Lula foi flagrado em uma conversa (irregularmente gravada pela Polícia Federal
e divulgada por Moro, é bom que se frise) com a então presidente Dilma
Rousseff.
Na conversa, Lula se exasperava: “Nós temos
um Supremo totalmente acovardado, nós temos um Superior Tribunal de Justiça
totalmente acovardado, um Parlamento totalmente acovardado, somente nos últimos
tempos é que o PT e o PCdoB é que acordaram e começaram a brigar. Nós temos um
presidente da Câmara f..., um presidente do Senado f..., não sei quanto
parlamentares ameaçados, e fica todo mundo no compasso de que vai acontecer um
milagre e que vai todo mundo se salvar”.
Ninguém se salvou no curto prazo, todo mundo
se salvou no longo prazo, ou está prestes a se salvar. O Supremo Tribunal
Federal definitivamente não está acovardado e a cena dessa quinta, em que
depois de empossar um ex-ministro do STF Lula compareceu à abertura do ano do
Judiciário diante da República em peso, se explica porque entre o assombro de
2016 e a acomodação de 2024 apareceu o hacker de Araraquara. Houve também a
reação contra a ameaça da ruptura. E a constatação que lavajatismo e
bolsonarismo se irmanaram.
O ex-presidente Jair Bolsonaro representou do
início ao fim de sua passagem pelo poder um risco permanente de golpe contra as
instituições, por episódios já exaustivamente expostos. O risco era tão grande
que voltou-se contra o próprio Moro, que saiu do Ministério da Justiça em 2020
denunciando o aparelhamento político da Polícia Federal. Bolsonaro queria
enfiar goela abaixo de Moro o nome de Alexandre Ramagem para o comando da PF, o
mesmo Ramagem investigado por aparelhar a Abin, alvo do inquérito comandado por
Alexandre Moraes na semana passada.
A decisão de Moro de integrar o governo
passado, depois de ter condenado o então líder das pesquisas de intenção de
voto para as eleições presidenciais de 2018, foi de caráter pessoal. Foi um de
seus muitos gestos, sempre marcados pela ruptura de compromissos, que o levaram
de juiz a auxiliar de Bolsonaro, consultor de uma empresa privada,
presidenciável por um partido e senador por outro,
O senador e ex-ministro nunca reconheceu erro
ao largar a magistratura, mas não há muitas dúvidas de que sua trajetória deu
lastro para a consagração da tese de “lawfare” desenvolvida pelo advogado
Cristiano Zanin, hoje ministro do Supremo Tribunal Federal.
Um comentário:
Excelente análise!
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