O Globo
O ex-comandante do Exército não tratou do
espinhoso tema da minuta do golpe nas reuniões do Alto Comando
O general Marco Antonio Freire Gomes não
chegou a comunicar ao Alto Comando o que estava sendo proposto a ele pelo então
presidente da República, Jair
Bolsonaro, e o então ministro da Defesa, general Paulo Sérgio
Nogueira, nas minutas do golpe. É essa a informação que se tem
dentro do Exército. O Alto Comando tem função consultiva e não deliberativa e
houve seis reuniões no ano de 2022. Em pelo menos duas foram discutidos temas
como manifestações na porta dos quartéis e participação na Comissão de
Transparência Eleitoral, mas o assunto do decreto presidencial não foi tratado.
— Ele pode ter consultado alguns, mas chegar e mostrar o documento no Alto Comando, isso não aconteceu. O comandante é o responsável pela tomada de decisão. Ele não tinha outra decisão a tomar que não fosse a de cumprir a lei. Que não é mérito nenhum, ele tem que cumprir a lei. Era uma ordem inexequível. Se ele desse essa ordem para baixo, os comandantes militares de área não poderiam cumprir. Uma ordem ilegal não se cumpre — me disse um oficial que estava no Alto Comando no governo Bolsonaro.
A avaliação no Exército era a de que o
general Freire Gomes falaria quando fosse depor na Polícia Federal, apesar de
nem ter havido tempo para ele combinar isso com colegas de farda. Quando o
Exército foi informado de que ele seria convocado para depoimento na PF, o
general Freire Gomes estava fora do país.
A decisão dele de falar, de qualquer maneira,
deixou os militares aliviados. Nesse momento há um sentimento de que é urgente
a volta à normalidade. Mas a convicção dentro das Forças
Armadas é que para isso é importante que tudo seja esclarecido,
que todas as informações dos depoimentos e da delação do tenente-coronel Mauro Cid,
que hoje correm em segredo de Justiça, sejam divulgadas.
—A gente entende a demanda legítima da
imprensa por saber tudo o que aconteceu, mas para nós só chegam informações
parciais porque o inquérito está em segredo de Justiça. A gente tem notícia de
trechos — me disse uma fonte.
Quanto ao general Paulo Sérgio Nogueira,
ex-comandante do Exército, que substituiu Braga Netto como ministro da Defesa,
a interpretação é a de que ele foi “envolvido” pela condição política do cargo,
um erro que o general Fernando Azevedo, o primeiro ministro da Defesa de
Bolsonaro, não cometeu. Azevedo deixou o cargo.
Um dos temas debatidos no Alto Comando, em
2022, foi o das manifestações na frente dos quartéis. Hoje está claro, dizem os
militares, que as manifestações eram “inadequadas” mas, naquele momento, houve
debate sobre o assunto. O que ficou ao final foi a decisão de não intervir.
— O consenso que prevaleceu e a ordem dele (
de Freire Gomes) foi o de não ter nenhuma interação entre as tropas e
manifestantes. Não podia dar água, não podia ter pessoas fardadas.
O problema é que o próprio Freire Gomes é um
dos signatários de uma nota, em 11 de novembro de 2022, em que as três forças
condenam restrições “a direitos de manifestantes”, pedem a “imediata atenção a
todas as demandas legais e legítimas da população” e acrescentam que era
necessário de cada um dos poderes “a estrita observância das atribuições e dos
limites da sua competência”. Ora, os manifestantes pediam golpe militar. E
Bolsonaro acusava o Judiciário em geral, e a Justiça Eleitoral em particular, de
extrapolarem seus limites. Essa nota ainda precisa ser explicada.
Outro assunto que foi debatido no Alto
Comando, nessas horas finais, após discutirem os temas administrativos e de
promoção, foi a participação dos militares na Comissão de Transparência
Eleitoral. Muitos acharam que não era atribuição dos militares, que eles não
deveriam se envolver nisso, porque precisam apenas apoiar a logística da urna e
garantir os locais de votação e de apuração, quando não houvesse meios
suficientes de segurança pública. O que se argumenta hoje é que, apesar de a
maioria discordar, eles participaram “porque era uma requisição da Justiça”.
Os militares dizem que querem tudo
esclarecido e divulgado para que eles possam tentar superar a desconfiança que
ficou entre eles e os civis e pensar no futuro. Um exemplo foi a questão de
Essequibo, na Guiana, reivindicada pela Venezuela. O Brasil se envolveu para
mediar, mas teve que improvisar. Esse é o tipo de tema de defesa que se quer
discutir. Assim que essa tempestade passar.
Um comentário:
Pois é.
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