O Estado de S. Paulo
Diante das mudanças do clima, o que precisa ser feito no Brasil são planos de médio e longo prazos, sobre os quais poucos pensam
A tragédia do Rio Grande do Sul mostra dramaticamente que, mesmo sendo abençoado por Deus, como nos ensinou há décadas Jorge Benjor, este é um país tropical frágil diante das forças da natureza. “O Brasil é um país muito vulnerável à mudança do clima”, disse ao jornal Valor a secretária nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente, economista e doutora em Ciência Política Ana Toni. A extensão e a persistência dos efeitos das inundações não deixam dúvida de que devemos levar a sério o conselho da secretária de Mudança do Clima para que mudemos nossa percepção sobre as transformações que ocorrem no planeta em razão de ações humanas: “Essa ficha tem de cair”.
A aprovação pelo Senado, na quarta-feira
passada, do projeto de lei que estabelece regras gerais para a formulação de
planos de adaptação às mudanças climáticas poderia ser a primeira indicação de
que “a ficha começa a cair”. Talvez não seja, porém, mais do que demonstração
de senso de oportunidade – ou de oportunismo? – dos senadores. A versão inicial
havia sido aprovada pela Câmara em dezembro de 2022. Passou esse tempo todo
parada no Senado. Agora, precisará de nova votação pelos deputados.
O projeto prevê que o governo federal deve
elaborar um plano nacional de adaptação à mudança do clima em ação articulada
com os Estados e municípios. Entre suas diretrizes estão: identificar, avaliar
e dar prioridade a medidas para o enfrentamento de desastres naturais; definir
prioridades de ação levando em conta populações e regiões vulneráveis; e
estimular a adaptação da agropecuária à economia de baixa emissão de carbono.
Ninguém que esteja ciente dos riscos
decorrentes das mudanças climáticas discordaria desses objetivos e dessas
diretrizes. Mas convém refletir sobre a utilidade e os efeitos práticos
esperados com a aprovação de um projeto como esse.
O Brasil já dispõe de uma Política Nacional
sobre Mudança do Clima, instituída por lei assinada pelo então presidente Luiz
Inácio Lula da Silva no dia 29 de dezembro de 2009. A missão dessa política,
como afirma documento da Secretaria Nacional de Mudança do Clima em seu
planejamento estratégico para o período 2023-2026, é “promover políticas e
ações climáticas ambiciosas e urgentes que garantam a descarbonização da
economia, o desenvolvimento socioeconômico sustentável, a transição justa e a
resiliência aos impactos da mudança do clima”.
Ressalve-se que, como novidade, o projeto
aprovado pelo Senado cria um órgão responsável pela gestão do plano e fixa
prazos para a implementação das medidas.
Mas convém lembrar que o Brasil conta com um
sistema destinado a auxiliar os gestores públicos e privados no enfrentamento
das mudanças do clima. Trata-se da plataforma AdaptaBrasil MCTI, do Ministério
de Ciência, Tecnologia e Inovação, criada surpreendentemente em 2020, quando o
Brasil era governado por pessoas que não acreditavam em mudança climática nem
em vacinas. No início, a plataforma alcançava 1.262 municípios. No ano
seguinte, foi estendida para todos os 5.570 municípios e incorporou novos setores
de informação.
“É maravilhoso”, disse a secretária Ana Toni,
por alcançar todos os municípios, com informações sobre recursos hídricos,
segurança alimentar, segurança energética, saúde, desastres hidrológicos,
infraestrutura portuária, infraestrutura ferroviária e infraestrutura
rodoviária.
“O gestor local tem acesso a informações
sobre o risco de impacto das mudanças climáticas em setores estratégicos da
economia e da sociedade”, explica o coordenador científico da plataforma, Jean
Ometto. “A ideia é que o gestor possa olhar os fatores influenciadores, que são
os indicadores, e tenha condições de aumentar a resiliência do município às
mudanças climáticas ou diminuir as vulnerabilidades.”
E por que um sistema desses não alcança os
resultados que poderia produzir? Poucos o consultam. “O Brasil não abraçou o
tema de adaptação”, afirma a secretária Ana Toni. “O País tem de se preparar
melhor.” Sem essa preparação, o Brasil tenta administrar as consequências dos
desastres climáticos, sem conseguir fazer a gestão dos riscos, diz Ana Toni. E
o que precisa ser feito são planos de médio e longo prazos, sobre os quais
poucos pensam.
É uma situação triste num país que tem quase
2 mil municípios muito expostos a inundações, deslizamentos, secas e incêndios,
como lembrou a secretária.
Pior quando parte da população, que rejeita
os conhecimentos científicos, parece concordar com o senador Flávio Bolsonaro
(PL-RJ), que diz temer “excesso de poder” dos órgãos ambientais. Foi na famosa
reunião ministerial do dia 22 de abril de 2020, no governo do pai do senador,
que o então ministro do Meio Ambiente sugeriu que se aproveitasse a pandemia
para fazer passar a boiada, isto é, a legislação destinada a afrouxar os
controles ambientais. Há muitos que ainda esperam a passagem da boiada.
Um comentário:
Excelente!
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