O Globo
O brasileiro está mais exposto aos vieses dos
algoritmos, a ficar refém da própria bolha
Uma pesquisa da Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OCDE), publicada em junho, avaliou em 21 países a
capacidade da população de identificar notícias falsas. Para surpresa de
ninguém, o Brasil ficou em último lugar.
São vários os motivos para nossa constrangedora credulidade. Alguns, universais — como o viés de confirmação, que nos leva a acreditar no que mais nos convém (vide os “patriotas” identificando sinais de uma iminente operação de “garantia da lei e da ordem”, que lhes garantiria burlar a lei e institucionalizar a desordem). Outros, ligados ao estágio de qualquer país eternamente “em desenvolvimento” — como o baixo nível de alfabetização digital, que nos deixa acríticos (vide a quantidade de gente que ainda cai em golpes na internet). Há também a desinformação sistêmica — uma força-tarefa trabalhando em tempo integral para desintegrar nossos detectores de mentiras.
Mas o mais relevante talvez seja a intensiva
naturalização do absurdo por que vimos passando, com o impossível acontecendo
com notável regularidade. Queijaria e locadora de veículos ganham megalicitação
do governo para importação de arroz. Multas bilionárias (de empresas que já
assumiram a culpa, já foram condenadas, já devolveram parte dos valores
desviados) são canceladas — mas o equilíbrio das contas depende de meter a mão
no bolso do contribuinte.
“Ela não merece [ser estuprada] porque é
muito feia” e “Depois de jogo de futebol, aumenta a violência contra a mulher.
[Mas] se o cara é corintiano, tudo bem”. Essas frases são falsas ou
verdadeiras? Qual foi dita por um machista juramentado, qual por um defensor da
igualdade de gênero?
Em 2019, quando da prisão de Michel Temer,
escrevi um texto satírico, imaginando a carta de solidariedade de Dilma
Rousseff ao ex-aliado. Começava assim:
— Primeiramente, escrevo esta carta do fundo
do meu coração no que se refere a sentimento, que é uma coisa muito importante
que a pessoa ela sente e ela precisa demonstrar. O pai tem, a mãe tem, e ter
não é mais importante do que ser, conforme dizem os filósofos, que são pessoas
que pensam sobre os sentimentos, como os gregos, que eram filósofos também e
inventaram o esporte olímpico, que nos deixou o legado.
Acostumados que estávamos aos desarranjos
verbais da ex-presidenta, a piada foi levada a sério e teve de ser desmentida
por uma agência de checagem de fatos. (A propósito, como confiar em agências de
checagem se também elas espalham notícias falsas, como as pseudoetimologias
racistas?)
O brasileiro se informa preferencialmente
pelas redes sociais, não por jornais, revistas, televisão. Logo, está mais
exposto aos vieses dos algoritmos, a ficar refém da própria bolha. Mas isso já
não faz muita diferença quando profissionais da imprensa se afastam de sua
missão de informar e analisar para tomar partido e encampar (a palavra da moda
é “vocalizar”) as “narrativas” oficiais.
Como duvidar da notícia (evidentemente
falsa...) de que o ministro Haddad taxará os memes que satirizam sua fúria
taxatória (“Os taxa- fantasmas”, “Taxando o pobre adoidado”, “Zé do Taxão”...)
e acreditar na (dolorosamente verdadeira) de que jornalistas tenham clamado
pela necessidade de que memes (memes!) sejam regulamentados? Assim fica difícil
subir no ranking da OCDE.
Um comentário:
Hahahahahah
Okays
😏😏😏
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