Correio Braziliense
Também não foi o melhor momento para Lula falar sobre sustentabilidade, por causa da crise climática no Brasil, tomado por incêndios florestais e muita fumaça nas cidades
O presidente
Luiz Inácio Lula, ontem, na abertura na Assembleia Geral da
Organização das Nações Unidas (ONU), defendeu a reforma da entidade, o controle
nacional sobre as redes sociais, a sustentabilidade do planeta, o combate à
fome e o fim das guerras da Ucrânia e Gaza. Novamente, se colocou como
voluntário à negociação dos conflitos e porta-voz do chamado Sul Astral, os
países emergentes do hemisfério.
Lula discursou por quase 20 minutos e seguiu um roteiro preparado pela equipe de diplomatas que o acompanhou, entre os quais o chanceler Mauro Vieira e o assessor especial Celso Amorim. Entretanto, passou ao largo do tema mais polêmico do subcontinente, as eleições da Venezuela, um mico no seu colo.
O alvo das críticas de Lula sobre as redes
sociais foi o quase trilionário Elon Musk, dono do X, cuja atuação no país está
suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O presidente defendeu o direito
de cada país “legislar, julgar disputas e fazer cumprir as regras dentro de seu
território, incluindo o ambiente digital”. Segundo Lula, “a liberdade é a
primeira vítima de um mundo sem regras”.
Ele defende a regulamentação das redes
sociais e da atuação das “big techs”. O viés nacionalista do discurso de Lula,
porém, esbarra no debate sobre a liberdade de opinião, um dos temas do
enfrentamento de Musk com o ministro Alexandre de Moraes, que suspendeu a
atuação da rede por não submeter- se à legislação brasileira.
Sobre a Palestina, Lula não falou de
genocídio, holocausto e crimes de guerra, como em ocasiões anteriores, o que
gerou uma crise diplomática com Israel. Entretanto, classificou o que está
acontecendo em Gaza e na Cisjordânia como “uma das maiores crises humanitárias
da história recente, e que, agora, se expande perigosamente para o Líbano”.
Disse que “o que começou como ação terrorista de fanáticos contra civis
israelenses inocentes, tornou-se punição coletiva de todo o povo palestino”.
Para Lula, o direito de defesa “transformou-se no direito de vingança, que
impede um acordo para a liberação de reféns e adia o cessar-fogo”. Os
diplomatas israelenses foram os únicos não aplaudiram.
O presidente brasileiro foi cauteloso ao
tratar da Ucrânia. Disse que o Brasil condenou a invasão do território
ucraniano pela Rússia, mas defendeu que os dois países abram negociações
imediatas para acabar com a guerra. Recentemente, Lula conversou por telefone
com o presidente russo Vladimir Putin, que o cacifou para mediar o conflito,
mas precisa combinar com Volodymyr Zelensky, os Estados Unidos e a União
Europeia. Na prática, o Brasil está mais próximo da China e da Rússia do que do
presidente Joe Biden nesta questão.
Uma reivindicação histórica da diplomacia
brasileira foi reiterada por Lula: a reforma da ONU e do Conselho de Segurança,
no qual o Brasil não tem um assento permanente. “A exclusão da América Latina e
da África de assentos permanentes no Conselho de Segurança é um eco inaceitável
de práticas de dominação do passado colonial”, disse. “Estamos chegando ao
final do primeiro quarto do século XXI com as Nações Unidas cada vez mais
esvaziadas e paralisadas”, acrescentou.
China, Estados Unidos, França, Reino Unido e
Rússia são os membros permanente do Conselho de Segurança da ONU, que é formado
por 15 membros. Como têm poder de veto, esses cinco países, os grandes
vencedores da II Guerra Mundial, são os menos interessados na reforma do
Conselho. E como são países com interesses estratégico-militares distintos e,
geralmente, envolvidos em conflitos, exercem o poder de veto de acordo com os
seus interesses, um fator de enfraquecimento da ONU, como ficou evidente nas
guerras da Ucrânia e de Gaza.
Não foi o melhor momento para Lula falar
sobre sustentabilidade, por causa da crise climática no Brasil, tomado por
incêndios florestais e muita fumaça nas cidades. Na defensiva, disse que o
governo brasileiro “não terceiriza responsabilidades nem abdica da sua
soberania. Já fizemos muito, mas sabemos que é preciso fazer mais”, disse.
Citou as enchentes no Rio Grande do Sul como um exemplo, junto aos incêndios,
da necessidade de medidas mais urgentes e profundas dos líderes globais. A
cobrança em relação à maior participação dos países ricos no enfrentamento das
questões ambientais faz todo sentido.
Entretanto, o Brasil vive uma contradição
entre a necessidade de preservar seus biomas e a intensificação da exploração
de petróleo e produção de combustíveis fósseis. Os velhos compromissos de Lula
com os líderes da esquerda latino-americana também impregnaram seu discurso na
ONU. Subliminarmente, responsabiliza os países desenvolvidos por mais “uma
década perdida”, como se as lideranças latino-americanas não fossem as grandes
responsáveis por esse fracasso.
Manteve a tradicional crítica ao embargo dos
EUA a Cuba — o Brasil, doutrinariamente, é contra medidas econômicas punitivas
dessa ordem —, ressaltou a dramática situação do Haiti e, simplesmente, ignorou
a Venezuela, cujo presidente, Nicolás Maduro, fraudou sua própria reeleição e
persegue violentamente a oposição.
Pato manco
A participação do homem mais poderoso do mundo na Assembleia Geral da ONU, o presidente Biden, foi uma despedida da política internacional, a poucos meses das eleições norte-americanas. Ele foi um dos artífices do maior isolamento imposto à Rússia na Europa, desde a II Guerra Mundial, a partir da invasão da Ucrânia. Porém, expõe toda sua fraqueza na Guerra de Gaza, que agora se estende ao Líbano porque perdeu o controle sobre o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu.
Um comentário:
Verdade.
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