Folha de S. Paulo
Pablo Marçal nos debates é a ilustração
perfeita da alegoria do 'pombo enxadrista'
Antes que começassem a voar cadeiras
nos debates entre
os candidatos a prefeito de São Paulo, já haviam voado os insultos, as
acusações de envolvimento com o crime, os apelidos ofensivos e humilhantes e as
provocações malcriadas. A violência física foi o desfecho de um longo processo
de interação entre os candidatos, que as empresas de jornalismo insistem em
chamar de "debates", mas que de debate civilizado mesmo teve muito
pouco.
Diz-se que não houve apresentação de propostas nos vários rounds da rinha eleitoral paulistana, mas isso não é verdade. Vi, gravei e revi todos –por razões profissionais, não por alguma tara peculiar– e houve tantas propostas quanto em qualquer outro campeonato eleitoral. Talvez até mais do que a média, pois, em minha experiência, quanto mais fragmentada e feroz a disputa, mais propostas são despejadas nas campanhas.
Como elas não serão realmente examinadas, que
ocasião melhor para prometer o impossível e garantir que todos os desejos e
necessidades serão satisfeitos? No entanto, o que ficou na memória depois
desses encontros –que, afinal, é o que realmente importa– foi o nível de
agressividade e leviandade, que pareceu excessivo até para essa época em que
todos os limites da civilidade já foram ultrapassados.
Curioso é que todos reclamam da baixaria, mas
ninguém abre mão do espetáculo. As empresas de mídia não só acolheram e
promoveram esses eventos como os multiplicaram. Ou nós achamos que tiro,
porrada e bomba entre políticos não dão audiência? Na verdade, somos nós quem
damos audiência, parando para ver o circo pegar fogo ao vivo. "Para que
tanto desses debates, meu Deus?", pergunta meu coração socrático. Porém,
meus olhos, grudados na tela, não perguntam nada.
O grotesco encanta. Lucram as empresas de
jornalismo com a audiência e desfrutamos nós, os espectadores da briga de rua,
mas também faturam os políticos envolvidos, pois gente do país inteiro parou
para ver os candidatos a prefeito de São Paulo saírem no tapa, mesmo quando não
deu a mínima para eventuais debates entre candidatos da própria cidade.
E a democracia? Bem, a democracia devia estar
em casa àquela hora, assistindo a doramas coreanos e comendo Bis, alheia a
essas coisas que nada têm a ver com ela. "Afinal", pensa ela,
"se os paulistanos preferirem Pablo Marçal",
por exemplo, "bem merecem ser governados por ele". Não é esse o
combinado? Na democracia, você escolhe e fica com o resultado, não adianta
espernear depois.
Há muitas lições a serem tiradas dessa série
de lutas na lama na "cidade mais rica do país", que nós, os de fora,
descobrimos nos debates ser o epíteto obrigatório de São Paulo.
Primeiro, não é verdade que "não é isso
o que o público quer ver nos debates", como me explicou um repórter nesta
semana. Ora, sejamos realistas: esta eleição mostra que é exatamente isso que
uma parte significativa do público quer ver nos debates, na política e na vida
pública. Metade do Brasil estaria disposta a transferir seu domicílio eleitoral
para São Paulo só para votar numa eleição quente, animada, de dedo nos olhos,
rasteiras metafóricas e cadeiradas nem tanto.
O fato de que debates eleitorais não foram
concebidos para esse tipo de confronto, e que outros públicos considerem
deplorável esse padrão, não significa que a "marçalização" dos
debates não tenha seu público, e que ele não seja imenso.
Segundo, muitos de nós, estudiosos da
política, acreditávamos que chegaria o momento em que a extrema direita, como
qualquer movimento radical, cansaria o eleitor. Afinal, um sistema que exige um
nível constante de indignação, fúria e antagonismo tende a se tornar
extenuante. No entanto, o radicalismo político não perdeu fôlego e, se há algo
que ameaça a sua continuidade, é o surgimento de desafiantes internos ao
próprio sistema. Marçal é uma nova extração de radicalismo, que desafia o
establishment bolsonarista no seu próprio terreno.
Terceiro, vimos que, em uma sociedade
radicalizada e polarizada, uma candidatura que faz o seu jogo sem dar a mínima
para os combinados acerca dos propósitos de campanhas e debates consegue
desestabilizar todo o conjunto. Assistir a Marçal nos debates era como ver, ao
vivo, a ilustração perfeita da alegoria do "pombo enxadrista",
popular em fóruns da extrema direita.
Debater com ele sobre propostas para a
prefeitura é como tentar jogar xadrez com um pombo: o bicho derruba as peças,
defeca no tabuleiro e volta todo contente para o pombal para se gabar de sua
"vitória".
Um comentário:
Jogar xadrez com pombo é coisa de Reinaldo Azevedo,rs.
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