quarta-feira, 16 de outubro de 2024

Bruno Boghossian - O governo mudou o cálculo sobre a Venezuela

Folha de S. Paulo

Itamaraty entra em modo de contenção de danos na relação com a Venezuela e não vê ida de Lula a nova posse

A cúpula do governo não admite agora, mas praticamente jogou a toalha em relação à fraude de Nicolás Maduro. Mesmo sem reconhecer a vitória do regime nas urnas, a diplomacia brasileira incorporou o cenário de permanência do ditador no poder.

Há gente no Planalto que nem mesmo gostaria de ver Maduro pelas costas. Ainda assim, chegou a sonhar com uma negociação que tornasse o processo eleitoral menos obsceno e menos desonroso para o governo Lula.

Itamaraty, por sua vez, levou a sério a busca por um diálogo entre Maduro e a oposição. Ainda que fossem baixíssimas as chances de convencer o presidente venezuelano a deixar o cargo, os brasileiros agiram para que a exigência de apresentação das atas eleitorais deixasse o ditador sem saída, obrigando-o a se sentar para discutir alternativas.

Alguns elementos mudaram o cálculo dos brasileiros. Dois deles têm relação com a pressão interna sobre Maduro. O candidato opositor, Edmundo González, deixou o país, diminuindo as expectativas de que pudesse assumir o poder, e os protestos contra a fraude se tornaram menos frequentes nas ruas de Caracas.

Além disso, Maduro passou a tocar os negócios como de costume, fazendo pouco caso das tentativas de mediação. Na segunda (14), o cão de guarda do ditador sugeriu que Lula foi aliciado e se tornou um agente da CIA.

Aos poucos, o Brasil entra num modo de contenção de danos. Como qualquer ruptura está descartada, o Itamaraty mantém canais abertos para negociações objetivas, da importação de energia até a busca por um salvo-conduto para remover, num avião da FAB, opositores asilados na embaixada da Argentina.

Ainda que o Itamaraty insista publicamente em algum diálogo em sentido contrário, o quadro mais provável inclui uma nova posse de Maduro em 10 de janeiro. Lula não deverá comparecer, e muitos diplomatas acreditam que ele nem será convidado.

No dia seguinte, o governo Lula não terá apenas um vizinho incômodo. A Venezuela servirá como lembrete de que o país pagou caro pelas concessões feitas ao regime e ainda saiu com um prejuízo adicional nas suas ambições de liderança regional.

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