quarta-feira, 16 de outubro de 2024

Fernando Exman - Mercado de carbono vira refém da irracionalidade

Valor Econômico

Impasse entre Câmara e Senado compromete aprovação de proposta

Em mais uma mobilização elogiável, mostrou o Valor, um grupo de 59 empresários e altos executivos saiu em defesa da regulamentação do mercado de créditos de carbono. O momento é crítico. E o manifesto converge com o que é defendido pela equipe econômica, ou seja, que a proposta seja aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva antes da COP29. Mas um injustificável impasse entre Câmara e Senado está atrapalhando esse plano.

“Era o discurso [no governo] para a COP passada”, lamenta o deputado Aliel Machado (PV-PR), relator da matéria na Câmara.

A proposta foi aprovada na última sessão de 2023 e está parada no Senado. A história, contudo, é complexa.

Em termos gerais, a Câmara foi pioneira na discussão. Porém, o governo teve preferência por uma outra proposta que tramitava no Senado e era relatada por Leila Barros (PDT-DF). Aprovada pelos senadores, esta foi enviada à Casa presidida por Arthur Lira (PP-AL), mas rejeitada pelos deputados e remetida ao arquivo.

Durante as negociações, é verdade, parte importante deste texto foi aproveitada pelo relator na Câmara. Tecnicamente, seu conteúdo foi anexado à proposta cuja tramitação havia sido iniciada na Câmara. Na prática, portanto, a briga se dá para saber quem será o autor do projeto e qual Casa terá a palavra final no texto.

É possível que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), insatisfeito com o que muitos parlamentares consideraram uma manobra regimental, defina agora quem relatará o texto e, em vez de devolvê-lo à Câmara depois que ele for apreciado pelo plenário, mande-o direto para sanção. Isso ocorrendo, é possível que os deputados decidam então recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF), uma vez que o texto do Senado foi rejeitado.

“Se o debate for judicializado, o tema é muito caro para a nação, para ficar travado e prejudicado, com insegurança. Nós estamos falando de um texto que trata de regras de um novo mercado, um mercado que ainda não existe formalmente”, diz o deputado Aliel Machado, alertando sobre o risco de o Senado enviar a matéria direto para sanção. “A gente está falando da indústria brasileira. Como que vai judicializar um assunto como esse, que pega grande parte da nossa indústria e em diversos segmentos. É uma preocupação muito grande. Estamos tentando encontrar um caminho para que o texto fique de comum acordo.”

O projeto em discussão cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), o qual estabelece tetos para emissões e institui um mercado de venda de títulos. Em outras palavras, fixa um limite de emissões de gases do efeito estufa para as empresas. As que não cumprirem a meta, poderão compensar suas emissões com a aquisição de títulos. As companhias que emitirem abaixo do limite ficam autorizadas a vender a diferença no mercado.

Podem gerar créditos, por exemplo, a recomposição, manutenção e conservação de áreas de preservação, áreas onde há uso sustentável com plano de manejo e projetos de assentamentos da reforma agrária. Dessa forma, além de empresas ou proprietários de terras, também assentados, comunidades indígenas e quilombolas poderiam se beneficiar com o desenvolvimento de projetos em seus territórios.

A proposta cria um mercado regulado, vinculado ao SBCE, mas também prevê um mercado voluntário. E é aí que estão algumas relevantes divergências.

Possivelmente, a principal delas diz respeito aos programas jurisdicionais de créditos de carbono, que são desenvolvidos por entes governamentais (governos federal, estaduais ou municipais). Para especialistas que acompanham o assunto no Congresso, esses projetos acabam passando por cima de propriedades privadas e terras de usufruto de comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas, além de assentamentos. Os recursos são comercializados pelo ente público, o que pode impedir que esses outros atores realizem seus próprios projetos de preservação ambiental e, com isso, vendam créditos no mercado.

Os deputados optaram por colocar algumas travas a esses programas, como barreiras para a venda de créditos futuros e a possibilidade de proprietários de terra se retirarem dos programas jurisdicionais com uma simples notificação. Sem burocracia. Argumenta-se na Câmara que a eventual exclusão desses artigos geraria insegurança jurídica, com danos ao direito de propriedade privada, uma vez que há Estados lançando programas jurisdicionais.

Outro argumento é a necessidade de garantir que esses proprietários e usufrutuários de terras tenham estímulos econômicos para desenvolver projetos que preservem as florestas.

No Senado, a expectativa é que Leila Barros seja novamente designada para a relatoria. Isso ainda não aconteceu. Diz-se, também, que existe uma convergência de 80% em relação ao texto aprovado na Câmara.

São esses 20 pontos percentuais e a falta de entendimento entre as duas Casas que afastam o Brasil de um espaço privilegiado nas discussões internacionais sobre o mercado de créditos de carbono - uma iniciativa estratégica para gerar riquezas e desenvolver o país de forma sustentável.

A COP29 ocorrerá entre 11 e 22 de novembro em Baku, no Azerbaijão. O Brasil está perdendo a oportunidade de ter um belo cartão de visitas para a COP30, que será realizada no ano que vem em Belém.

 

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