quarta-feira, 16 de outubro de 2024

Vera Magalhães - A arma de Haddad para convencer o presidente

O Globo

Ministro acena com a possibilidade de Brasil retomar grau de investimento para sensibilizar o presidente

Não é fácil a tarefa de Fernando Haddad de convencer o presidente Lula da necessidade de passar de um pacote de cortes pontuais de gastos, que permite uma economia momentânea, mas insuficiente diante da velocidade e do volume do crescimento das despesas, para algo mais estrutural, o enfrentamento de grandes distorções nesse quesito.

Em entrevista à Folha de S.Paulo, o ministro da Fazenda deu um exemplo brutal: o crescimento explosivo da destinação de recursos ao Fundeb, fundo de desenvolvimento da educação básica, que deverá atingir R$ 70 bilhões em 2026 sem fonte de financiamento. E admitiu que, diante de um pepino legado pelo governo Jair Bolsonaro, Lula questiona por que terá de ser ele a cortar dinheiro da educação — raciocínio que vale para pobres e aposentados —, quando não foi ele quem cometeu a irresponsabilidade fiscal.

O ministro e o presidente acertam ao apontar que o agora alarmado mercado não teve a mesma reação diante das pedaladas de Bolsonaro e Paulo Guedes, que desde 2020 foram desrespeitando o finado teto de gastos e produzindo déficits em série, agravados por medidas francamente eleitoreiras no último ano de mandato. Mas Haddad tem tentado convencer Lula de que a necessidade de equilibrar as contas é incontornável, e só enxugar gelo não será suficiente.

Para reduzir o inconformismo presidencial, ele parece ter ganhado um argumento poderoso na recente viagem a Nova York, em que teve uma série de encontros com agências de risco. A perspectiva de melhora na nota do Brasil, com a retomada do grau de investimento mais adiante, é um trunfo que Haddad sabe ser capaz de fazer o presidente aceitar que terá de aplicar remédios amargos e a princípio impopulares para colher um resultado de forte impacto mais à frente.

Interlocutores de Haddad apontam que, desde que a agência Moody’s elevou a nota do Brasil de Ba2 para Ba1, ele tem chamado a atenção para a contradição entre a visão externa e a interna do mercado, muito mais deteriorada. Mas o fato de as três maiores agências de risco terem deixado explícito que o controle dos gastos é essencial para os passos seguintes, que culminariam na retomada do grau de investimento, tem sido crucial para Lula aquiescer que o pleito não era apenas um muxoxo de má vontade da Faria Lima, mas uma necessidade inescapável.

Resta romper a próxima barreira, incluir nas medidas de curto prazo o enfrentamento das grandes despesas que crescem a descoberto e dizem respeito a áreas sociais sempre centrais ao programa de governo de Lula e do PT. Até aqui, a desvinculação da Previdência e de benefícios como o BPC do aumento do salário mínimo, ou mesmo a revisão do critério de financiamento do Fundeb, não faz parte do rol de medidas à mesa de Haddad e das demais pastas econômicas para ser chanceladas pelo chefe.

Haddad vai tentando segurar a abertura das fissuras no dique enquanto avança no convencimento. Se puder evitar o cumprimento da promessa de isentar quem ganha até R$ 5 mil do Imposto de Renda enquanto a solução não vem, melhor. Anunciar a moralização nos supersalários também ajuda, mas ainda está na coluna dos gastos pequenos perto dos demais, que ameaçam explodir logo ali na frente.

Além de Simone Tebet, Haddad pode contar, na missão de fazer a cabeça de Lula, com a ajuda do vice-presidente Geraldo Alckmin, que, em entrevista ao Roda Viva, não hesitou em defender a responsabilidade fiscal como principal política social de um governo — outro discurso voltado claramente a romper as resistências de Lula.

Haddad reconhece que tem em mãos uma batata quente. Mas, se conseguir carregá-la sem queimar os dedos e com o prêmio do grau de investimento, pode dar a Lula o discurso de que precisa para calar o mercado e chegar forte a 2026. É nisso que ele mira.

Nenhum comentário: