Folha de S. Paulo
Sistema permite abater quatro dias de pena
para cada livro lido
Sugiro que ex-presidente comece seu programa
de leitura por Hegel
Dentro de
mais alguns dias, Jair
Bolsonaro se tornará oficialmente um reeducando, que é como
chamamos os presos com sentença condenatória que cumprem a pena que lhes foi
imposta. O radical "educ" entra aí porque um dos objetivos do Estado
ao punir um criminoso é reintegrá-lo à sociedade, um processo no qual a
educação é variável-chave.
Não é por outra razão que o sistema prevê a remição de pena por leitura, o que significa que reeducandos podem abater quatro dias de prisão para cada livro lido, até o limite de 12 livros anuais ou 48 dias. O ano do preso bibliófilo fica um mês e meio menor.
Otimista que sou, acho até que Bolsonaro já
foi mordido pelo bichinho da busca do saber. Ele, afinal, disse que violou a
tornozeleira eletrônica por curiosidade, e a curiosidade, como todos sabemos, é
o sentimento que move o homem em direção à ciência e ao conhecimento.
Para fazer as pazes consigo mesmo (e
com Alexandre de
Moraes), sugiro a Bolsonaro que comece seu programa de leituras por
"Princípios da Filosofia do Direito", de GWF Hegel.
Ali o filósofo alemão argumenta que criminosos deveriam querer ser condenados.
A pena, afinal, é a negação do crime, que é,
por sua vez, a negação do direito. A condenação, ao restaurar o direito,
corresponde à vontade do próprio criminoso que, enquanto ser racional, deve
querer ver a justiça restabelecida e a vontade universal triunfar sobre a
particular. Na visão de Hegel, anistiar Bolsonaro e livrá-lo de sua pena seria
desconsiderá-lo como ser racional e livre. Equivaleria a excluí-lo da própria
humanidade, compreendida como uma comunidade moral.
Hegel não é um autor fácil. Bolsonaro poderá
não se deixar encantar pelas sutilezas da dialética. Nesse caso, o reeducando
poderá, desde que o juiz concorde, é claro, recorrer a livros mais pé no chão,
quiçá os de colorir.
Seja como for, se Bolsonaro, ainda que por
autointeresse e não por adesão sincera à Razão Universal, se transformar num
rato de biblioteca, a condenação já terá operado um milagre.
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