Panorama Econômico :: Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO
O presidente Lula é um falador intempestivo e descontrolado. Não demonstra ter noção do peso das palavras proferidas por quem, provisoriamente, ocupa o cargo de presidente, não tem apreço pelo comedimento, se entrega a surtos de egolatria. Na Turquia, chamou de trambiqueiras empresas que o BNDES salvou. Acusou de medíocres os ex-governantes e não poupou nem Pedro II.
A viagem do presidente foi um expresso desorientado. Dedicou quase o mesmo tempo a parceiros de pesos diferentes em nossa relação comercial e econômica: com a Turquia, o Brasil teve um comércio de US$70 milhões em abril, com a Arábia Saudita, de US$270 milhões, enquanto que com a China, de US$3,2 bilhões. O volume tornou os chineses nossos maiores parceiros comerciais no mês, superando os americanos.
Publicamos aqui, no dia 25 de abril, que a viagem à China tinha sido encurtada de cinco para dois dias no momento errado, quando o país é cortejado pelo mundo inteiro e as relações com o Brasil estavam se adensando.
Mais um erro do Itamaraty, que não foram poucos, nessa viagem. Pelo relato de Deborah Berlinck, a primeira dama teve que improvisar um véu na Arábia Saudita. Não é dela a culpa, evidentemente. Para isso, existem os especialistas em protocolo. Os sauditas são muito mais radicais na repressão aos direitos da mulher que outros países islâmicos. Por ser a sede das duas cidades sagradas, Meca e Medina, na direção das quais os muçulmanos rezam diariamente e para as quais peregrinam, a Arábia Saudita sempre tentou ser a líder religiosa do mundo árabe. Quando se anda por Riad, é possível ver mulheres de rosto descoberto. Mas não são as sauditas, são as sírias, libanesas, palestinas com hábitos mais flexíveis. Mulheres sauditas não saem às ruas sozinhas, não dirigem carros, são confinadas em casa até serem entregues aos seus maridos, mediante pagamento de dote, são consideradas culpadas e condenadas a prisão e chibatadas caso sejam estupradas. Até recentemente, eram decapitadas caso se recusassem ao casamento arranjado pelo pai. Um horror sobre o qual se fala pouco, dada a dimensão das reservas de petróleo e dos laços estratégicos que a Arábia Saudita tem com os Estados Unidos.
O país é governado pela mesma família, Saud, do Rei Abdul Aziz, desde os anos 30 do século passado. Um dos estratagemas do rei para superar as rivalidades e unir as tribos foi casar-se com uma mulher de cada tribo e, com elas, ter 36 filhos homens que se sucederam no trono. Um pequeno briefing por parte do Itamaraty, obrigação nas viagens, ajudaria o presidente a não perguntar por que algumas mulheres cobrem o rosto e outras não. Também ajudaria Dona Marisa a não ter que improvisar um véu para ir ao palácio presidencial, onde, naturalmente, não se encontrou com homens, mas esteve em sala separada com as mulheres. O risco de não dar informações necessárias à comitiva é o de cometer gafes que podem arruinar uma viagem.
Na China, o resultado tão comemorado era, em parte, notícia velha, como a confirmação do já anunciado empréstimo de US$10 bilhões para a Petrobras. Assunto já líquido e certo há meses. Ao discursar por lá, de novo o presidente Lula mostrou possuir informações vencidas na área climática. Voltou a sustentar a tese de que quem deve ter metas de emissão de gases de efeito estufa são os países que mais emitiram no passado. Era uma forma de agradar ao país anfitrião, hoje o maior emissor. Lula errou na mensagem.
A China já está avançando rapidamente na tentativa de conversão da sua economia para redução das emissões de carbono, porque o crescimento sem preocupação ambiental, dos anos anteriores, provoca frequentes e penosos desastres ambientais. Disputar o direito de poluir podia até fazer sentido quando não se sabia todo o risco que o planeta corria. A teimosia do Itamaraty nessa posição pró-carbono só confirma que queremos chefiar o atraso, quando poderíamos, com todo o nosso patrimônio ambiental, ser parte da liderança das inovações inevitáveis.
Mas foi na Turquia que se ouviu o surto de impropriedades do presidente Lula. Para ele, todas as empresas que perderam com a alta do dólar são trambiqueiras e estavam especulando. Faltou explicar por que o BNDES as socorreu tão prontamente, virando sócio e emprestando dinheiro subsidiado para o resgate da Aracruz e da Votorantim Celulose e Papel; por que o Banco do Brasil emprestou para a Sadia logo no primeiro rombo; por que o Banco Central liberou reservas para que os bancos emprestassem para as empresas com dívidas no exterior. Trambique é golpe sujo. As empresas erraram, reconheceram o erro, anunciaram seus prejuízos e estão se reorganizando. Ou são trambiqueiras ou são empresas nas quais o governo pode pôr o dinheiro do contribuinte. O presidente precisa sanar essa contradição.
Na falação turca, Lula mandou os jornalistas viajarem mais. Os que cobrem a Presidência não fazem outra coisa nos últimos anos. O presidente está convencido de que é o único governante que tem grandeza. Até Pedro II, hoje com suas virtudes reconhecidas pelos republicanos, foi tratado com desprezo e atingido pelas farpas de Lula, o Grande. Seus impulsos, cada vez mais incontidos, mostram que qualquer minuto de seu mandato, além dos oito anos previstos em lei, seria excessivo.
DEU EM O GLOBO
O presidente Lula é um falador intempestivo e descontrolado. Não demonstra ter noção do peso das palavras proferidas por quem, provisoriamente, ocupa o cargo de presidente, não tem apreço pelo comedimento, se entrega a surtos de egolatria. Na Turquia, chamou de trambiqueiras empresas que o BNDES salvou. Acusou de medíocres os ex-governantes e não poupou nem Pedro II.
A viagem do presidente foi um expresso desorientado. Dedicou quase o mesmo tempo a parceiros de pesos diferentes em nossa relação comercial e econômica: com a Turquia, o Brasil teve um comércio de US$70 milhões em abril, com a Arábia Saudita, de US$270 milhões, enquanto que com a China, de US$3,2 bilhões. O volume tornou os chineses nossos maiores parceiros comerciais no mês, superando os americanos.
Publicamos aqui, no dia 25 de abril, que a viagem à China tinha sido encurtada de cinco para dois dias no momento errado, quando o país é cortejado pelo mundo inteiro e as relações com o Brasil estavam se adensando.
Mais um erro do Itamaraty, que não foram poucos, nessa viagem. Pelo relato de Deborah Berlinck, a primeira dama teve que improvisar um véu na Arábia Saudita. Não é dela a culpa, evidentemente. Para isso, existem os especialistas em protocolo. Os sauditas são muito mais radicais na repressão aos direitos da mulher que outros países islâmicos. Por ser a sede das duas cidades sagradas, Meca e Medina, na direção das quais os muçulmanos rezam diariamente e para as quais peregrinam, a Arábia Saudita sempre tentou ser a líder religiosa do mundo árabe. Quando se anda por Riad, é possível ver mulheres de rosto descoberto. Mas não são as sauditas, são as sírias, libanesas, palestinas com hábitos mais flexíveis. Mulheres sauditas não saem às ruas sozinhas, não dirigem carros, são confinadas em casa até serem entregues aos seus maridos, mediante pagamento de dote, são consideradas culpadas e condenadas a prisão e chibatadas caso sejam estupradas. Até recentemente, eram decapitadas caso se recusassem ao casamento arranjado pelo pai. Um horror sobre o qual se fala pouco, dada a dimensão das reservas de petróleo e dos laços estratégicos que a Arábia Saudita tem com os Estados Unidos.
O país é governado pela mesma família, Saud, do Rei Abdul Aziz, desde os anos 30 do século passado. Um dos estratagemas do rei para superar as rivalidades e unir as tribos foi casar-se com uma mulher de cada tribo e, com elas, ter 36 filhos homens que se sucederam no trono. Um pequeno briefing por parte do Itamaraty, obrigação nas viagens, ajudaria o presidente a não perguntar por que algumas mulheres cobrem o rosto e outras não. Também ajudaria Dona Marisa a não ter que improvisar um véu para ir ao palácio presidencial, onde, naturalmente, não se encontrou com homens, mas esteve em sala separada com as mulheres. O risco de não dar informações necessárias à comitiva é o de cometer gafes que podem arruinar uma viagem.
Na China, o resultado tão comemorado era, em parte, notícia velha, como a confirmação do já anunciado empréstimo de US$10 bilhões para a Petrobras. Assunto já líquido e certo há meses. Ao discursar por lá, de novo o presidente Lula mostrou possuir informações vencidas na área climática. Voltou a sustentar a tese de que quem deve ter metas de emissão de gases de efeito estufa são os países que mais emitiram no passado. Era uma forma de agradar ao país anfitrião, hoje o maior emissor. Lula errou na mensagem.
A China já está avançando rapidamente na tentativa de conversão da sua economia para redução das emissões de carbono, porque o crescimento sem preocupação ambiental, dos anos anteriores, provoca frequentes e penosos desastres ambientais. Disputar o direito de poluir podia até fazer sentido quando não se sabia todo o risco que o planeta corria. A teimosia do Itamaraty nessa posição pró-carbono só confirma que queremos chefiar o atraso, quando poderíamos, com todo o nosso patrimônio ambiental, ser parte da liderança das inovações inevitáveis.
Mas foi na Turquia que se ouviu o surto de impropriedades do presidente Lula. Para ele, todas as empresas que perderam com a alta do dólar são trambiqueiras e estavam especulando. Faltou explicar por que o BNDES as socorreu tão prontamente, virando sócio e emprestando dinheiro subsidiado para o resgate da Aracruz e da Votorantim Celulose e Papel; por que o Banco do Brasil emprestou para a Sadia logo no primeiro rombo; por que o Banco Central liberou reservas para que os bancos emprestassem para as empresas com dívidas no exterior. Trambique é golpe sujo. As empresas erraram, reconheceram o erro, anunciaram seus prejuízos e estão se reorganizando. Ou são trambiqueiras ou são empresas nas quais o governo pode pôr o dinheiro do contribuinte. O presidente precisa sanar essa contradição.
Na falação turca, Lula mandou os jornalistas viajarem mais. Os que cobrem a Presidência não fazem outra coisa nos últimos anos. O presidente está convencido de que é o único governante que tem grandeza. Até Pedro II, hoje com suas virtudes reconhecidas pelos republicanos, foi tratado com desprezo e atingido pelas farpas de Lula, o Grande. Seus impulsos, cada vez mais incontidos, mostram que qualquer minuto de seu mandato, além dos oito anos previstos em lei, seria excessivo.
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