sexta-feira, 16 de julho de 2010

Ex-presos de Cuba criticam Lula

DEU EM O GLOBO

Dissidentes cubanos libertados esta semana disseram que o presidente brasileiro foi omisso e se aliou ao crime e não à justiça, por não intervir durante a greve de fome que matou o preso Orlando Zapata.

"Não somos bandidos de São Paulo"

Ex-presos políticos cubanos acusam Lula de omissão no caso Zapata

Priscila Guilayn

Gestos, e não palavras fora de hora, pediram os presos cubanos recém-chegados à Espanha ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Lula foi acusado por eles de omissão durante sua quarta viagem a Cuba em dois mandatos, na qual não se reuniu com dissidentes nem fez uma intervenção a favor de Orlando Zapata Tamayo, que estava em greve de fome havia 85 dias e morreu justamente quando o presidente visitava a ilha, no dia 23 de fevereiro. Na quarta-feira, Lula afirmou ter se alegrado com a liberação dos opositores do Grupo dos 75, encarcerados desde a chamada Primavera Negra, em 2003.

- Lula se aliou ao crime e não à justiça. Orlando Zapata podia ter tido possibilidades, mesmo que remotas, de sobreviver se Lula da Silva tivesse intercedido pessoal e publicamente por ele. Ele diz que está feliz com a nossa liberação, mas nós estaríamos felizes se ele tivesse advogado por Zapata - afirmou Omar Rodríguez Saludes, ontem, numa entrevista coletiva promovida pela organização Repórteres Sem Fronteiras, junto com outros seis presos políticos liberados após as negociações entre a Igreja Católica e os governos espanhol e cubano.

Não é que se surpreendessem com a falta de interesse de Lula em reunir-se com dissidentes. Julio Cesar Gálvez, que chegou a Madri na terça-feira, em um grupo de sete presos e 26 familiares, deixou claro que eles sabem que o presidente brasileiro e Fidel Castro são velhos aliados. Mas esperavam que, ao menos, apoiasse os valores democráticos.

- Lula continua com o discurso populista visando a continuidade de seu partido no poder e, além disso, é amigo de Fidel. O que podemos esperar dele? Lula não tinha que criticar nem felicitar, e sim colocar-se à disposição da solidariedade, como a que recebemos de diversas organizações brasileiras, e apoiar a liberdade e a democracia em Cuba - disse Gálvez.

Indignados por chegarem à Espanha com o status de imigrante, os dissidentes afirmaram que foram avisados que poderiam pedir asilo político, embora não saibam se será aceito. Reclamam que estão "num limbo jurídico". Por um lado, não são reconhecidos como exilados e, por outro, não deveriam ser tratados como imigrantes, já que saíram da prisão para o avião. O governo cubano foi explícito ao permitir o regresso somente de seus familiares, exigindo a eles, em caso de desejarem voltar, que peçam autorização. Além disso, ressaltaram que não foram anistiados nem receberam documento que prove que estão livres.

- O que é óbvio é que não somos criminosos de São Paulo, nem viemos por uma situação econômica difícil de nosso país. É preciso ter em conta que somos perseguidos por nossas opiniões - disse Ricardo González Alfonso, alfinetando Lula uma vez mais, ao recordar a comparação que o presidente brasileiro fez quando criticou a greve de fome de Zapata, imaginando um caos se todos os detentos de prisões paulistas fizessem o mesmo.

O governo espanhol também não se livrou das críticas. Todos foram incisivos em mostrar seu desagrado com a forma como estão sendo tratados. Queriam ficar juntos, em Madri, enquanto permanecessem na Espanha - alguns, como Normando Hernández, desejam unir-se a parentes nos Estados Unidos -, mas vão sendo comunicados, em conta-gotas, que seus destinos já estão traçados. Ricardo já sabe que vai para Málaga, e Normando, para a cidadezinha valenciana de Cullera.

- Não sou dono de mim nem na Espanha. Chegou um funcionário para dizer-nos "você vai para aqui, você vai para lá". Me impõem. A realidade é que saí de uma prisão de grades e estou numa prisão sem grades - disse Gálvez.

Ratos, baratas e excrementos na prisão

Estão alojados em um hostal (uma categoria abaixo de hotel) num subúrbio de Madri, onde compartilham o banheiro e quarto com outros imigrantes de diversas nacionalidades.

- Não estamos pedindo que nos alojem em um hotel de cinco estrelas. Somos pessoas humildes. Estamos pedindo que nos dêem as condições mínimas como família para ter alguma privacidade - queixou-se Normando, que reclamou não poder seguir a dieta alimentar recomendada, já que sofre sequelas de doenças derivadas das "mais que péssimas" condições de higiene das prisões pelas quais passou.

Os presos, políticos ou não, conviviam com ratos, baratas, lacraias e excrementos nos cubículos superlotados, segundo contam:

- Nos davam para comer água com casca de banana férvida, sebo de vaca ou terra que os animais pisaram, mexida e fervida. Isso é o que comem os presos em Cuba - contou Gálvez.

Ontem, Mijail Bárzaga e Luis Milán chegaram à Espanha, somando 11 dissidentes recebidos em Madri nos últimos quatro dias.

Em Havana, Fidel reapareceu ontem em público pela quarta vez em oito dias. O ex-presidente visitou um aquário e assistiu a uma apresentação de golfinhos. Fidel, de 83 anos, estava recluso desde uma cirurgia em 2006.

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