sexta-feira, 16 de julho de 2010

Partidos de adesão:: Cláudio Gonçalves Couto

DEU NO VALOR ECONÔMICO

A adesão do Partido Progressista, o PP, à candidatura presidencial de Dilma Rousseff, sacramentada na última quarta-feira e noticiada ontem pelo Valor, revela muito sobre a transformação pela qual passou o sistema partidário brasileiro. Afinal, enquanto o PP é o herdeiro da velha Aliança Renovadora Nacional (ARENA), partido de sustentação da ditadura militar, Dilma Rousseff é apontada por muitos de seus detratores como uma antiga "terrorista" (termo do jargão oficial do regime autoritário), pois militou em agremiações da esquerda clandestina que pegaram em armas para se insurgir contra os militares. Este encontro apenas se tornou possível agora porque tanto a velha esquerda brasileira, como a velha direita, mudaram bastante de lá para cá, moderando-se e adotando o pragmatismo político.

A última grande alteração institucional promovida pelos militares no contexto da transição para a democracia foi a criação de um novo sistema de partidos, multipartidário, em substituição ao bipartidarismo compulsório, outorgado em 1966. O novo sistema nasceu em 1980 com o surgimento de cinco agremiações: o Partido Democrático Social, PDS (hoje PP), sucedendo à ARENA; o PMDB, sucedendo ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB); o Partido Trabalhista Brasileiro, PTB, fingindo ressuscitar o antigo PTB varguista, mas sendo na verdade uma linha auxiliar do regime militar, pretensamente oposicionista; o Partido Democrático Trabalhista, PDT, de Leonel Brizola, que de fato sucedia (ainda que só parcialmente) ao PTB original, mas perdeu a posse da legenda para a sobrinha de Getúlio, Ivete Vargas, numa manobra patrocinada pelo regime militar junto à Justiça Eleitoral; e o Partido dos Trabalhadores, o PT, que poucos vínculos tinha com a política partidária tradicional no Brasil, apesar de albergar uns gatos pingados com mandato eletivo oriundos do MDB.

Diz o saber convencional que com a criação do novo sistema os militares visavam implodir a dinâmica plebiscitária, instalada com a dicotomia ARENA x MDB, a qual lhes era cada vez menos favorável. De fato conseguiram diluir um pouco essa polarização, mas não o suficiente para evitar que o partido do regime se tornasse cada vez mais frágil eleitoralmente. Um novo golpe para a ARENA/PDS sobreveio quando uma dissidência considerável do partido apoiou Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, criando a Frente Liberal, que cerca de um ano depois transformou-se no PFL. Daí para a frente, o PDS incorporou agremiações menores e mudou de nome diversas vezes (chamando-se PPR em 1993, PPB em 1995 e PP em 2003), indissociando-se da figura da Paulo Maluf até o ocaso político deste, deflagrado com a débâcle do governo Celso Pitta na Prefeitura de São Paulo. A partir desse momento, o partido perdeu nitidez ideológica, formalizou sua adesão ao governo Fernando Henrique Cardoso e começou a tomar de forma cada vez mais nítida as feições de um partido de adesão - "hay gobierno, estoy dentro".

Esta guinada rumo ao adesismo puro e simples não marcou apenas o antigo PDS. Ironicamente, ela se tornou também a característica distintiva daquele que ocupava ao longo da transição democrática brasileira, justamente a posição de seu antípoda - o PMDB. O bipartidarismo compulsório do regime militar facilitava a criação de uma lógica segundo a qual todos os que se opunham ao governo federal (ou aos seus apoiadores no nível local) juntavam-se no MDB. Assim, se de um lado a ARENA atraía quase todos os adesistas (exceto aqueles que localmente fossem preteridos pela sua disputa com os adesistas prediletos do governo militar), o MDB atraía todo tipo de oposicionista (ou de preterido). Com o fim da ditadura e o ganho de importância do PMDB nos governos estaduais, locais e até mesmo (após 1985) no governo nacional, a absorção de adesistas de todos os matizes franqueou-se no partido. Esse processo ganhou ainda maior impulso após a defecção da ala mais consistente ideológica e politicamente, que em 1988 deu origem ao PSDB. No PMDB sobraram, com as exceções de praxe, políticos pragmáticos e ideologicamente anódinos, dispostos a oferecer seus préstimos a qualquer governo que lhes abrigasse e nutrisse.

A condição de partido de adesão marca a maioria dos atuais partidos brasileiros, de modo que podemos assegurar que o próximo presidente, seja ele quem for, deverá contar com uma confortável maioria a lhe dar sustentação. Excetuadas umas poucas agremiações satélites, que gravitam em torno dos dois principais jogadores do sistema partidário em nível nacional (PT e PSDB) e o nanico PSOL, todas as demais tenderão a aderir ao próximo governo, qualquer que seja ele. A tabela mostra qual seria a distribuição de cadeiras entre os dois blocos principais e qual o tamanho de suas coalizões com a absorção dos adesistas, com base na atual distribuição de cadeiras no Congresso.


Cláudio Gonçalves Couto é cientista político, professor da FGV-SP.

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