DEU NA FOLHA DE S. PAULO
A construção do trem-bala ligando Campinas ao Rio revela uma leitura errada das prioridades para o país
A construção do trem-bala ligando Campinas ao Rio revela uma leitura errada das prioridades para o país
Com o fim da Copa do Mundo, os analistas começam a pensar sobre o Brasil pós-Lula. Diria que o correto seria pensar no Brasil pós-Fernando Henrique Cardoso/Lula, mas isso fica a critério de cada um. Sei que muitos defendem a exclusividade do atual presidente na construção do Brasil dos próximos dez anos, mas estou convencido da dupla paternidade de uma economia brasileira nova.
Preocupa-me muito algumas prioridades do governo atual e que, no caso de vitória da candidata do Planalto, certamente farão parte de sua agenda de trabalho. Elas revelam uma guinada em direção a um estatismo que pensava estar fora da agenda política no Brasil. Uma nova Telebrás pública e uma Seguradora estatal são sinais claros desse movimento. Mas outra fonte de preocupação minha -e esta não tem nada a ver com questões ideológicas- nasce do critério que está por trás da política de investimentos na infraestrutura econômica do país.
A importância desse tema é hoje quase consensual entre os analistas e de seu encaminhamento correto depende a intensidade do crescimento econômico na próxima década. Se forem realizados investimentos racionais que reduzam os custos de logística e evitem a formação de gargalos de oferta na área de energia, o Brasil pode crescer algo como 6% ao ano por um longo período.
Mas alguns sinais da direção do governo Lula -e certamente de sua candidata- apontam para outro lado. Tomemos o caso do chamado trem-bala, cujo leilão de concessão está marcado para dezembro. Sou radicalmente contra essa decisão, que revela uma leitura errada das prioridades para o país.
Afinal, serão mais de R$ 60 bilhões de investimentos -dos quais a maior parte virá do setor público- em um projeto de retorno econômico muito inferior a uma série de outros existentes.
Para ficar apenas no campo das ferrovias, citaria três outros projetos de importância muito superior a esse trem-bala caboclo: um complexo logístico ligando, por ferrovia, o centro de Mato Grosso a um porto na costa do Pacífico -Peru ou Chile- e a complementação de duas ferrovias hoje já existentes: a Ferronorte, em Mato Grosso, e a Norte Sul, no Tocantins.
Esses três projetos, que exigiriam menos recursos do que o trem-bala, se bem estruturados permitiriam a mobilização de investimentos do setor privado sem subsídios e contribuiriam para a redução importante do "custo Brasil" nas exportações de uma série de produtos primários.
Nosso país passaria a contar com uma extensa rede de transporte barato ligando portos -a leste e a oeste do país- com importantes centros de produção. Uma olhada rápida para os benefícios que a ferrovia que liga Carajás ao porto de Itaqui, no Maranhão, trouxe à economia deveria fazer corar os defensores -no governo e fora dele- desse exótico trem-bala. Além disso, a ligação portuária no Pacífico transformaria o Brasil em um ator de peso na Ásia, o polo mais importante do crescimento mundial nas próximas décadas.
Para enfrentar a questão dos aeroportos de São Paulo existem outras alternativas -talvez menos excitantes mas, certamente, mais eficientes economicamente- que serviriam ao mesmo propósito. Essa talvez seja a única motivação racional desse custoso projeto, pois não existe nenhum ganho logístico em uma ligação por trem de alta velocidade entre São Paulo e o Rio de Janeiro. Basta ver o custo de operação da movimentação de carga no sistema TGV na França apesar de sua rede de trilhos ser muitas vezes maior do que a ligação Campinas-Rio de Janeiro.
E não me venham com a história da Copa e da Olimpíada para justificar esse elefante branco que o governo atual quer deixar como herança para o próximo presidente. Para um empreendimento da dimensão de um trem de alta velocidade -e que precisa de várias décadas para se viabilizar-, não será a demanda gerada por empreendimentos esportivos ao longo de poucas semanas que vai ser decisivo para seu sucesso.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 67, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso). Escreve às sextas-feiras, quinzenalmente, nesta coluna.
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