No esplêndido diagnóstico que serve como posfácio à reedição do seu
best-seller Notícias do Planalto (ver “Escândalos da República 1.2”), Mario Sergio
Conti serve-se das transformações ocorridas na vida de alguns
jornalistas-protagonistas para ilustrar os devastadores efeitos da passagem do
tempo na qualidade do nosso jornalismo.
Em apenas 13 anos, aqueles bravos buscadores da verdade metamorfosearam-se em prósperos empresários da notícia. Antes se engajaram
solitariamente na busca da verdade, na obsessão com a transparência, agora com
o mesmo empenho e pertinácia mobilizam grandes equipes e recursos ilimitados
para maquiar a realidade e esconder as aberrações políticas nos bastidores do
poder.
João Santana, um dos personagens dessa metamorfose tão surpreendente e
tão pouco kafkiana, foi o repórter investigativo da revista IstoÉ que
descobriu e entrevistou Eriberto França, o motorista que comprometeu em
definitivo o esquema de corrupção enquistado no governo do então presidente Fernando
Collor de Mello, com isso empurrando-o inexoravelmente para a renúncia.
Inovação negada
O jornalista reapareceu com grande destaque na segunda-feira (26/11), na
“Entrevista da 2ª” (ver reprodução abaixo), uma das atrações semanais da
Folha de S.Paulo. Na manchete da edição paulistana (“Marqueteiro do PT
defende Lula para o governo paulista”), Santana aparece como marqueteiro
político preparando o seu pacote para o pleito de 2014: Dilma para presidente e
Lula para governador do estado.
Legítimo: o mercador tem todo o direito de fabricar sua mercadoria e
quanto mais cedo o fizer mais chances de sucesso terá. O que surpreende não é a
audaciosa jogada de converter o ex-presidente – bem-sucedido fabricante de
postes – num poste. O que chama a atenção são as opiniões do premiado repórter
investigativo no tocante a uma das investigações mais profundas e minuciosas já
empreendidas pelo Legislativo, Ministério Público e Polícia Federal, que se
materializaram na Ação Penal 470, vulgo mensalão.
Santana não entra no mérito das sentenças e castigos, mas expande-se sem
constrangimentos a respeito do julgamento em si: foi um reality show,
talvez o maior do planeta, sentencia. “Excesso midiático é um veneno”, continua
o descobridor das prevaricações da Era Collor, esquecido que não fosse a
pressão da mídia por ele alimentada Collor de Mello não teria renunciado antes
mesmo do julgamento do seu impeachment.
Não contente, o filósofo Santana mergulha nos insondáveis mistérios da
alma para pontificar: “O ego humano é um monstro perigoso, incontrolável”. O
repórter Fernando Rodrigues, autor da entrevista, não explica se naquele
momento o entrevistado olhava-se no espelho. “Os ministros estão preparados
para julgar. Mas estão preparados para essa superexposição [midiática]?”
O furor do antigo buscador da verdade concentra-se integralmente na
transmissão das sessões do Supremo Tribunal Federal. Alega que não existe uma
corte suprema no mundo que tenha as suas sessões transmitidas ao vivo e,
portanto, estamos errados em consagrar a inovação. Até admite que “a
transmissão ao vivo potencializou os efeitos da pressão feita pela mídia antes
do julgamento... Eu, como especialista em comunicação, me sinto no dever de
dizer”.
Mestre dos mestres
João Santana ex-especialista em veracidade, hoje é expert em
falácias. Ignora que a gravação das sessões é realizada pela TV Justiça, uma
emissora do Estado brasileiro, entidade republicana, obedecendo à decisão
soberana e republicana adotada pela mais alta instância do Poder Judiciário
para tornar transparente a administração da justiça. A TV Justiça oferece o seu
sinal às emissoras privadas para a retransmissão na íntegra ou em partes. Esta
é uma inovação democrática da qual devemos nos orgulhar.
Os ministros do STF não se seduziram pela superexposição, pelo
contrário: suas longas exposições no mais puro juridiquês pouco tinham de
retórica. Estavam interessados em sustentar suas argumentações com complicadas
remissões e referências técnicas. Se Santana considera esta seriedade como
“teatralização”, está admitindo publicamente que nesses últimos 13 anos perdeu
grande parte, senão toda, de sua capacidade intelectual.
Marqueteiro de dois caudilhos clássicos – Hugo Chávez, da Venezuela, e
José Eduardo dos Santos, de Angola –, Santana perdeu a sensibilidade para as
questões fundamentais do Estado do Direito. E, se por acaso for contratado pelo
revolucionário Vladimir Putin, rapidamente conseguirá identificar-se plenamente
com o diabólico dr. Joseph Goebbels, mestre dos marqueteiros políticos, o mais
cínico propagandista do despotismo.
Fonte: Observatório da Imprensa
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