• Seria irônico se, na esteira dos desmandos em série que vêm à tona na Petrobras, a tese da "herança maldita" se voltasse contra os anos Lula
Desde a vitória no segundo turno, e apesar do acerto que representou a nomeação da nova equipe econômica, o comportamento de Dilma Rousseff parece marcado por uma preocupante passividade.
Os desmandos na Petrobras se agravam sobremaneira com a revelação de denúncias internas desde 2009, conforme noticiou ontem (12) o jornal "Valor Econômico". Mas é como se a presidente abdicasse de dar conformação política clara ao deprimente espetáculo diante de seus olhos.
Não parece ter havido maior exemplo disto do que a patética reação do governo federal às declarações do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a respeito do escândalo na Petrobras.
Este não mediu suas palavras, na terça-feira (9), durante evento sobre o combate à corrupção. Que Janot tenha qualificado de desastrosa a gestão na Petrobras parece que não chegou a provocar grande desconforto no Planalto.
O mal-estar surgiu, porém, quando o procurador-geral adiantou a expectativa de que, "sem expiar ou imputar previamente culpa", se proceda à "eventual substituição" da diretoria da empresa.
Janot terá dado, talvez, um passo além do que caberia a seu papel --que não é o de um magistrado, mas o de quem vocaliza suspeitas fundadas como defensor do interesse público. Suspeitas que, desde então, só fizeram solidificar-se.
Foi o bastante para que o Planalto articulasse uma reação. A presidente Dilma Rousseff convocou o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, para que saísse em defesa temerária da atual presidente da Petrobras, Graça Foster.
É verdade que, como disse Cardozo, não haviam transparecido até então fatos e circunstâncias envolvendo diretamente Graça Foster. Também é verdade que existem, como reconheceu de modo algo desenxabido o ministro da Justiça, "fortes indícios de corrupção", que no momento chegam mais perto da dirigente.
Outra verdade, contudo, tende a aparecer nas entrelinhas.
Se se trata de afirmar um combate sem tréguas à corrupção, e ao mesmo tempo de defender a inocência da atual diretoria da Petrobras, é forçoso que, no plano do discurso e da ação, se dissipem os laços de continuidade entre o governo de Dilma e o de Lula.
Obviamente, nada seria mais irônico do que ver o atual governo recaindo na famosa tese da "herança maldita" --agora, contra Lula.
O dilema se repete, em ponto menor, na passagem do comando econômico: se Joaquim Levy substitui Guido Mantega, em que medida poderá Dilma Rousseff tirar de si mesma a responsabilidade por decisões que agora reverte?
Num tipo de limbo, a Presidência mantém atitude de observação atônita, sem saber transfigurar um quadro a que sempre aquiesceu.
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