- O Globo
Não é uma questão ideológica que está em jogo na eleição do novo presidente da Câmara, mas a resistência de um espírito minimamente civilizado de fazer política. Eleger um candidato ligado politicamente a Eduardo Cunha é reafirmar diante da opinião pública um método que está condenado pela História e que, se prevalecer, apenas prorrogará a agonia da Câmara como instituição, e dos deputados como instrumentos de uma velha política que precisa ser superada por fatos concretos, e não por palavras.
Condenar deputados da chamada esquerda parlamentar por apoiarem a candidatura de Rodrigo Maia, do DEM, é fazer o jogo do “centrão”, que favorece Cunha antes de tudo. Como a esquerda parlamentar não tem número suficiente para sustentar uma candidatura competitiva, e só elegeu presidentes da Câmara quando se aliou ao “centrão”, no tempo em que eram alinhados politicamente, nada mais natural que procure uma saída para derrotar os outrora “companheiros”, hoje tornados traidores, buscando no bloco da antiga oposição — PSDB, DEM, PPS, PSB — um nome que possa garantir espaço de atuação da minoria que hoje representa.
Mais ainda, ter a garantia de que a Câmara, presidida por um representante independente, não se entregará a barganhas mesquinhas para salvar o mandato de Cunha, que continuará manipulando nas sombras caso mantenha sua condição de deputado.
Se há uma coisa que deveria unir a autointitulada “esquerda progressista” parlamentar e os deputados que não fazem parte do “centrão”, é o objetivo de retirar da vida pública o ex-presidente da Câmara.
Não basta que tenha sido obrigado a renunciar à presidência da Câmara, é preciso que seja cassado, para que se restaure um mínimo de moralidade na instituição, e que a sociedade possa ter esperanças de que é possível caminhar na direção da recuperação da credibilidade da atividade política, cuja depravação teve como consequência mais explícita a corrupção institucionalizada que está sendo desvelada pela Operação Lava-Jato, e a influência da atuação disruptiva no mau sentido de Cunha.
A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ), que se reúne hoje para decidir o futuro do ex-presidente da Câmara, tem a obrigação moral de seguir o deputado Ronaldo Fonseca, relator do recurso de Cunha na CCJ, que negou o pedido para que a tramitação de seu processo de cassação no Conselho de Ética seja revista, sob o argumento ridículo da defesa de que teria sido processado como presidente da Câmara, cargo ao qual renunciou.
A tese já fora tentada anteriormente, sem sucesso, pelo então deputado petista André Vargas, que era vice-presidente da Câmara quando foi acusado no Conselho de Ética, e renunciou. É preciso dar um basta a essa “esperteza” regimental que dá margem a manobras intermináveis — que só fazem desgastar ainda mais a imagem parlamentar.
A saída de cena de Cunha é boa para o governo Temer, mas não é por isso que deveria ter a oposição dos petistas e seus aliados. Há movimentos estratégicos na política que se justificam pelos objetivos maiores, e esse é um desses momentos.
Também o presidente interino, Michel Temer, tem que se convencer de que, para aproveitar o momento histórico que se apresenta diante dele, precisa estar acima de negociações políticas já condenadas pela sociedade. E de que sua legitimidade só será alcançada se mostrar-se à altura do momento, o que deve, necessariamente, leválo a abdicar de eventuais compromissos do passado para ter direito a um futuro.
A fórmula de atingir o consenso para ser o presidente quase vitalício do PMDB já não é suficiente para encarar os novos tempos que tem pela frente. Precisa ser, enfim, mais o presidente Temer e menos o velho político Michel.
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