terça-feira, 12 de julho de 2016

Cunha tem de ser cassado já – Editorial / O Globo

• Apenas a renúncia à presidência da Câmara não resolve a questão mais ampla da influência perniciosa que o deputado exerce na vida política

É conhecida a enorme dimensão da crise política, cujo encaminhamento para a solução é peça-chave na superação da também histórica turbulência econômica. Há cruciais alterações legais, inclusive na Constituição, para que se restaure a confiança interna e externa no país, a fim de que as engrenagens da produção voltem a funcionar sem sustos.

Mas é ilusório esperar que o Congresso, nas condições em que se encontra, em particular a Câmara, permita a superação dos obstáculos na rapidez que o país necessita.
Neste contexto é que se coloca a perniciosa permanência do deputado Eduardo Cunha como parlamentar. Iludem-se os que consideram a renúncia de Cunha à presidência da Câmara — da qual já estava afastado por decisão do Supremo — a solução definitiva deste problema.


Não por acaso, aliados do deputado, tão logo ele comunicou a saída voluntária do cargo, na quinta-feira, começaram a tratá-lo como carta fora do baralho. Balela, cortina de fumaça. Cunha se mantém no jogo, sempre por debaixo da mesa, como é do seu estilo. E para isso renunciou.

A tática é antiga no Congresso: renuncia-se a anéis para preservar a mão grande. Inexiste ineditismo em manobras em que a entrega de postos recebe como recompensa a preservação de mandato.

Não causou surpresa, como noticiado pelo GLOBO, que, logo no dia seguinte à renúncia, Eduardo Cunha estivesse manobrando junto ao PMDB e à “sua” bancada de apaniguados para influenciar na escolha do sucessor, algo inaceitável. A renúncia de Cunha à presidência da Casa é mais uma de suas dissimulações.

A conjugação do verbo manobrar é de absoluto conhecimento e uso constante de Cunha. Prova disso é o recurso à Comissão de Constituição e Justiça para que seu processo de cassação volte ao Conselho de Ética, com base no escandaloso argumento de que ele fora condenado na condição de presidente da Casa, não de deputado. É fazer pouco da inteligência alheia. O argumento é tão pornográfico como o de que contas bancárias em nome de trust não têm pessoas físicas por trás.

O ex-presidente da Câmara e aliados se movem para adiar ao máximo a votação da cassação em plenário. Ontem, Ronaldo Fonseca (PROS-DF), relator do recurso na CCJ, tido como aliado de Cunha, disse que seu parecer talvez só venha a ser votado em agosto, depois do recesso, e não hoje, como programado. Isso devido ao longo rito da leitura do parecer, da defesa de Cunha e ao número de inscritos para falar. Desastroso para o calendário das medidas econômicas, porém alvissareiro para Cunha, porque assim ele ganha mais tempo para ações subterrâneas. Também ganham um certo gás Lula, PT e Dilma, pois a crise política facilita a pescaria de votos no Senado, na tentativa de salvamento da presidente já afastada.

Qualquer Parlamento com um nível mínimo de seriedade não ficaria inerte diante deste quadro, agravado pela própria crise do país. Manter o mandato de Eduardo Cunha é trabalhar contra os esforços para a imperiosa superação das dificuldades, no mais curto espaço de tempo possível.

O alerta serve também para o Planalto do presidente interino, Michel Temer. Ele precisa se preservar, manter distância de Cunha, para fazer o que já tem inclusive anunciado, no campo econômico e social.

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