segunda-feira, 17 de julho de 2017

Crime e Partido | Fernando Limongi

- Valor Econômico

Exageros retóricos marcam defesas de Lula e Temer

Não faz muito, dizia-se que todo brasileiro era técnico de futebol. E não um técnico qualquer, todos se arvoravam a escalar a seleção. Hoje, os brasileiros se transformaram em criminalistas. E não de porta de cadeia, mas de presidentes e ex-presidentes. Todos emitem opiniões sobre ilações e inépcias das acusações e condenações que pairam sobre Temer e Lula.

Mitos existem para serem desmentidos. Brasileiros, talvez, não entendam tanto de futebol como se pensava. Mas, também, talvez não se caracterizem pela despolitização e insensibilidade partidária que lhes é convencionalmente atribuída. Basta acompanhar o noticiário e ler as colunas de opinião. O recém-adquirido diploma de bacharel com especialização na área penal vem tingido com as cores partidárias. Cada um defende seu acusado com o fervor de um torcedor que vê seu time na zona de rebaixamento. Nestas horas, vale tudo, inclusive ignorar os fatos. Cada um tem opinião formada sobre a denúncia de Janot e a sentença de Moro sem se dar ao trabalho de lê-las.

Advogados, a profissão e o contrato de trabalho exigem, devem produzir defesas. Entende-se que Mariz de Oliveira acredite que o fato do Presidente Temer "haver recebido o empresário Joesley Batista", o "maior exportador de proteína animal do mundo", mesmo que na calada da noite e na garagem do Jaburu, "tratou-se de um evento normal."

Mariz chega a insinuar que é isto que devem fazer bons governantes: ter a disposição de trabalhar até tarde da noite, atender todos que o procuram, mesmo fora do expediente. "Nada de anormal", repete vezes a fio. Não é crível acreditar que, quando "sem possibilidade de agenda", Temer atendeu Joesley da mesma forma que teria feito com "inúmeros outros que o procuram". Sério? Quem acredita nisto?

O Doutor Mariz vai adiante. Não nega, porque não há como negar, "o recebimento de uma mala contendo valores em dinheiro pelo Sr. Rodrigo Loures." Questiona apenas que o assessor leal o tenha feito como agente do presidente. Ou seja, a defesa, implicitamente, joga todo o peso da propina nas costas de Loures, esquecendo-se que o assessor não era o destinatário final da mala, que o novo operador designado, tem relações antigas com o porto em que o presidente tradicionalmente ancora seus negócios.

Aliás, outras relações antigas, como as referências a Temer feitas por executivos da Odebrecht muito antes de Joesley virar a estrela da Lava Jato, retiram a força retórica com que Mariz finalizou sua defesa: "Ficou sobejamente demonstrado que o cidadão Michel Temer, homem público probo e digno, com uma imaculada trajetória política de mais de cinquenta anos, não cometeu, neste ano de gestão, nenhum deslize de natureza moral, ética ou penal."

O exagero é evidente. Nenhum? Imaculada? Vá lá dizer-se que não há provas, mas pretender canonizar Temer é passar do limite do razoável. Se a disputa se der neste campo, se o que conta são os "serviços prestados" à população, a defesa do ex-presidente Lula leva enorme vantagem.

Entretanto, como todos sabem, fiar-se no "fator campo" nem sempre traz resultados. A nota publicada por Cristiano e Valeska Zanin Martins, advogados de Lula, veiculada logo após sua condenação, pouco se diferencia da publicada pelo PT. Afirmar que "nenhuma evidência crível de culpa foi produzida, enquanto provas esmagadoras de sua inocência são descaradamente ignoradas" pede a suspensão da razoabilidade própria à paixão partidária. O exagero é evidente. Nada de crível? Provas esmagadoras de sua inocência?

A leitura da peça elaborada por Sérgio Moro não ampara juízo tão peremptório. Há evidências e a defesa não foi capaz de apresentar as tais "provas esmagadoras" da inocência do seu cliente. Uma vez mais, espera-se que advogados sejam superlativos, que carreguem nas tintas. Ainda assim, como explicar a visita do ex-presidente ao apartamento acompanhado do mais graduado executivo da OAS? E a proximidade entre Vaccari e Leo Pinheiro? E, sobretudo, como dar conta do que se passou na Petrobrás?

No caso, a despeito das dificuldades que Moro enfrentou para estabelecer a relação entre contratos específicos da OAS com a Petrobrás e da existência de uma conta geral de propinas debitada para arcar com os custos do apartamento do Guarujá, a absolvição do ex-presidente não será obtida com a desqualificação política do juiz. Afirmar que o processo é "politicamente motivado", guiado "pela política e não pela lei" não passa de uma tentativa de tapar o sol com a peneira. A sentença está longe de ser uma peça frágil e inconsistente. Ao evitar o mérito da questão, o PT finge que não fez nada de errado e que não tem contas a acertar com seus eleitores.

A despeito da distância política que os coloca em trincheiras contrárias, os dois lados apelam para os mesmos argumentos: desqualificam seus acusadores e as provas apresentadas para se se proclamarem vítimas de conspirações politicamente motivadas. A se crer nestes discursos, Temer e Lula só estariam em maus lençóis porque perseguidos por árbitros interessados em brecar as reformas divergentes que cada um deles defende.

Só os crédulos podem acreditar nesta dupla conspiração. Tem razão o Dr. Mariz: "usa-se a inteligência, a imaginação e a literatura quando não se tem os fatos provados." Em ambos os casos, a imaginação tem falado mais alto que a inteligência, ainda que cada lado ache que somente seu adversário apela à licença literária para se salvar.

A partidarização do debate é evidente. Advogados, formadores de opinião engajados e militantes fecham os olhos para as evidências inconvenientes. Seguem pregando para convertidos. A estratégia, contudo, não traz a absolvição, nem entre juízes e, muito menos, entre os eleitores. Assim, o rebaixamento é certo. O castigo das urnas é só uma questão de tempo.
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Fernando Limongi é professor do DCP/USP e pesquisador do Cebrap.

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