- Folha de S. Paulo, 8/12/2017
Jamais houve legislatura que, em um ano e meio, em parceria com o Presidência, aprovasse tantas medidas
Este é um texto em defesa do Congresso. Como? Não quer saber dele, leitor amigo? Entendo as suas razões, mas você está errado -a menos que sua reserva se deva à metafísica do estilo do autor, que, para lembrar um conto de Machado de Assis, seria, então, incapaz de fazer com que "Sílvio", o substantivo, mantivesse um encontro amigável com Sílvia, o adjetivo. Isso à parte, faça um esforço. Ocorre que, para tratar do Parlamento, precisarei falar da Lava Jato, de Sergio Moro em particular.
Publico esta coluna três dias depois de o juiz ter sugerido a Michel Temer que dê um golpe nos Poderes Judiciário e Legislativo. O doutor convidou o presidente a usar a sua influência para que o STF não mude jurisprudência sobre a prisão após condenação em segunda instância. Também quer ver o chefe do Executivo na defesa da redução ou da extinção, não ficou claro, do foro especial por prerrogativa de função.
No rádio e na TV, expressei o temor de que o magistrado morra afogado tentando andar sobre as águas. Não duvido de que tente, no claustro, longe da curiosidade alheia, multiplicar pães e peixes.
Só se exibirá em público quando conseguir a multiplicação em quantidade que considera aceitável... Usar uma solenidade privada, em que é homenageado, para fazer proselitismo de natureza política já seria indecoroso, não estivesse ele propondo o estupro da Constituição. A propósito: quais políticos pressionam Moro, dado que ele supõe que Temer pressione juízes do STF? Ou a matéria inumada de que é feito o livra de tentações que a outros rondam?
Aprecio a coragem autêntica, rejeito a ousadia publicitária, que é uma das expressões da covardia.
Só pode reivindicar a reputação de corajoso quem corre riscos. Pregar a morte de Deus no Ocidente democrático, por exemplo, é coisa para qualquer covarde. Quero ver é fazê-lo em Teerã ou em Riad. "Ah, Reinaldo, mas aí seria suicídio, não coragem..." Fato. Mas então não se reconheça valor ao prosélito das coisas permitidas e dos clichês influentes...
Ousado, corajoso, verdadeiramente provocativo e inovador seria Moro convocar os seus pares de toga e os membros do MPF a abrir mão doauxílio-moradia, por exemplo.
E ele até poderia sugerir que valor correspondente -algo em torno de R$ 1,4 bilhão por ano- fosse investido na PF. E muitas outras centenas de milhões se economizariam caso se cumprisse o disposto no inciso 9º do Artigo 37 da Constituição, que trata do teto da remuneração do funcionalismo.
"Você prometeu um texto em defesa do Congresso e, até agora, só atacou Moro e o Poder Judiciário." Não é ataque, mas crítica. É óbvio que estabeleço aqui um contraste entre um ente que estará sempre errado, mesmo quando está certo, e uma entidade que está sempre certa, mesmo quando errada. Houve quem fizesse mexerico até com o fato de que Temer e Eunício Oliveira, presidente do Senado, não aplaudiram o juiz de pé. Presidentes de Poderes só se levantam em reverência, seguindo certos protocolos, em solenidades oficiais. É assim que se respeita Montesquieu.
Jamais houve uma legislatura que, em um ano e meio, em parceria com a Presidência da República, aprovasse tantas medidas importantes para o país. E só por isso a economia está entrando nos eixos. O fato é que o Congresso, debaixo de vara da Lava Jato, de que Moro é emblema, não faltou ao país. Mas 60% dos brasileiros, atesta o Datafolha, consideram-no ruim ou péssimo.
Vejam o caso da reforma da Previdência. Parlamentares que a imprensa está acostumada a odiar compõem a vanguarda em favor da mudança. Os que integram a plêiade de suas referências morais resolveram se entrincheirar na resistência, lutando brava e corajosamente contra o país -em especial, contra os pobres. Sílvia e Sílvio nutrem desprezo intelectual pelos heróis do clichê, pelos heróis do óbvio.
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