- Correio Braziliense
A ida de Jungman para o Ministério da Segurança Pública é uma solução natural, tipo “prata da casa”. Entretanto, não é natural um general como ministro da Defesa, pasta criada para o poder civil
No livro O 18 Brumário de Luís Bonaparte, já citado aqui a propósito da conjuntura eleitoral que vivemos, Marx se inspira no golpe de estado de Napoleão Bonaparte, em 9 de novembro de 1799, para descrever o golpe de seu sobrinho Luís Napoleão, 50 anos depois. Presidente em final de mandato, em 2 de dezembro de 1851 dissolveu a Assembleia e convocou um plebiscito que restituiu o Império; um ano depois se proclamou Napoleão III. O livro foi escrito entre dezembro de 1851 a março de 1852, em Londres, com o propósito de mostrar as circunstâncias nas quais “Napoleão, o pequeno”, como Victor Hugo o chamava, pôde desempenhar o papel de herói e tomar o poder.
Luís Bonaparte foi um reformador, admirador da modernidade britânica, e promoveu considerável desenvolvimento industrial, econômico e financeiro, mas seu maior legado foi a reforma urbana de Paris, sob comando do prefeito Georges-Eugene Hausmann, um dos símbolos da modernidade. Somente deixou o poder em setembro de 1870, quando surgiu a Terceira República, após a derrota francesa na batalha de Sedan, na Guerra Franco Prussiana. Depois de deposto, exilou-se na Inglaterra, onde morreu em 1873.
Uma das melhores reportagens políticas já escritas, nela Marx descreve o surgimento do partido social-democrata (Montanha): “Quebrou-se o aspecto revolucionário das reivindicações sociais do proletariado e deu-se a elas uma feição democrática; despiu-se a firma puramente política das reivindicações democráticas da pequena burguesia e ressaltou-se seu aspecto socialista. Assim surgiu a social-democracia”. E mostra também que legitimistas e orleanistas, frações monárquicas do Partido da Ordem, se uniram no regime parlamentar republicano porque cada uma dessas correntes considerava a república uma solução mais aceitável do que a opção monárquica preferida pela outra, uma espécie de jogo de perde-perde da aristocracia restauradora francesa.
Mas um pedido de impeachment de Luis Bonaparte, apresentado por uma ala radical da Montanha, pôs a república a perder. Derrotados no parlamento, os radicais resolveram abandoná-lo e ameaçaram recorrer às armas, o que não passou de um blefe. Não houve apelo às armas da parte da Montanha, ao contrário do que o partido dava a entender pouco antes de sair do parlamento. A passeata da Guarda Nacional, que estava desarmada, se dispersou ao se deparar com as tropas do exército, convocadas pela Assembleia Francesa, composta majoritariamente pelo Partido da Ordem. Foi nesse contexto que Luís Bonaparte deu o golpe e assumiu o poder. Uniu o Partido da Ordem ao se colocar acima de suas correntes.
Bandeira
Não se deve subestimar a bandeira da ordem, que sempre foi eficiente para soluções autoritárias, como no golpe militar de 1964. É graças a ela que o deputado Jair Bolsonaro (PSC) desponta como forte candidato a presidente da República, com índices de intenção de votos que muitos analistas consideram já consolidados. Acontece que o presidente Michel Temer resolveu tomar-lhe a bandeira das mãos, com a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro, a cargo do comandante militar do Leste, general Braga Neto, logo após o carnaval. A cartada decisiva, porém, é a criação do Ministério da Segurança Pública, para o qual foi deslocado o ministro Raul Jungman, da Defesa.
O general Joaquim Silva e Luna, atual secretário-executivo, deve assumir interinamente o comando do Ministério da Defesa. A ida de Jungman para a nova pasta é uma solução natural, tipo “prata da casa”, por estar envolvido diretamente no assunto, desde o agravamento da crise de segurança pública no país, devido a diversas operações de Garantia da Lei e da Ordem já realizadas pelas Forças Armadas. Entretanto, não é natural um general como ministro da Defesa, a pasta foi criada para afirmar o poder civil. Não há a menor semelhança da nossa conjuntura com a restauração de Luís Bonaparte, mas isso não significa que Temer e Bolsonaro não possam se unir nas eleições.
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