Julgamento do inquérito sobre as fake news serve para a Corte alertar Bolsonaro sobre seus limites
Não se deve tirar a importância de acenos de trégua de Bolsonaro para o Supremo. Um motivo para o presidente abaixar o tom é que tramitam no Judiciário assuntos de seu interesse. Um deles, o inquérito das fake news, aberto no STF, é conduzido por Alexandre de Moraes, e terá seu destino julgado na quarta-feira, em um processo instaurado a pedido do partido Rede, que questiona a forma como as investigações foram abertas: por decisão do próprio presidente da Corte, sem ouvir o Ministério Público, tendo designado Alexandre de Moraes, sem sorteio, para presidi-las.
Toffoli se valeu do regimento interno do Supremo para tomar essas decisões, a fim de averiguar ataques à Corte e ameaças aos ministros em redes sociais, meio em que o bolsonarismo radical trafega. A situação esdrúxula de uma Corte investigar, denunciar e julgar levou o Rede a recorrer contra o inquérito por “vícios” na sua abertura, também contestada pelo MP. Mas a crise institucional cresceu, e no avanço de Bolsonaro contra a Constituição foi ficando claro que a usina de fake news e a provável adesão de empresários a este projeto de “ruptura”, como diz o deputado Eduardo, o “03”, poderiam sinalizar a existência de uma organização criminosa: blogueiros, disparadores de notícias falsas contra pessoas e instituições, manifestações periódicas pela volta da ditadura, todo um complexo financiado por gente que tem dinheiro. Seja como for, os primeiros mandados de busca e apreensão expedidos por Moraes irritaram o Planalto. Visaram a blogueiros e deputados bolsonaristas, e a empresários próximos ao presidente (Luciano Hang, um deles). E o novo aliado do presidente, Roberto Jefferson (PTB), ex-mensaleiro e ex-presidiário.
O inquérito se transformou na ação mais efetiva até agora de defesa do estado democrático de direito. Aras, que inicialmente dissera que o inquérito era legal, pediu, depois daquelas diligências despachadas por Moraes, que o julgamento da ação do Rede fosse marcado, e que as investigações fosem suspensas até lá. Recuou, mas na quarta-feira deverá propor regramentos ao inquérito e a entrada do MP no processo. O procurador-geral pediria ainda que eventuais denunciados com foro privilegiado — parlamentares, por exemplo —, sejam separados dos demais, que seriam processados na primeira instância. A manobra repetiria a de Márcio Thomaz Bastos, ex-ministro da Justiça do PT, advogado no mensalão, que tentou desmembrá-lo, para dificultar a configuração de todo o esquema como “organização criminosa”.
Este julgamento, em que se espera a sacramentação do inquérito, vai ser uma oportunidade para o plenário do STF dar uma demonstração de unidade, não apenas em desagravo a Moraes, mas para firmar a determinação constitucional de que a Corte é a instância máxima para decidir sobre qualquer conflito, mesmo que envolva pessoas poderosas, políticos, altos funcionários públicos e até parentes do presidente, que teriam sido identificados em algumas das investigações.
Um comentário:
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