domingo, 20 de junho de 2021

Ricardo Noblat - Carlos Bolsonaro dá o tom da reação da direita à voz das ruas

Blog do Noblat / Metrópoles

Piedade pelos mortos da Covid-19 ficou de fora das mensagens do Zero Dois e do ministro das Comunicações do governo do seu pai

Pouco importava se as manifestações de rua contra o governo federal fossem grandes ou pequenas, pois elas seriam tratadas da mesma forma pelos devotos do presidente Jair Bolsonaro. Em um mês, foram duas, a segunda bem maior do que a primeira.

O tom da reação da direita à voz das ruas foi dado pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos), o Zero Dois, responsável pela comunicação do pai nas redes sociais. E ele escreveu que tudo não passou de mais um ato da esquerda a serviço de Lula.

As manifestações pediram três coisas: mais vacinas, reajuste no valor do auxílio emergencial pago aos brasileiros mais pobres, e o impeachment de Bolsonaro. Elas ocorreram no dia em que o número de mortos pela Covid bateu a triste marca de 500 mil.

As três coisas foram ignoradas por Carlos. Havia ainda pouca gente na Avenida Paulista quando ele postou no Twitter:

“Você não pode vender pastel na rua, mas eles podem sair pra defender ex-presidiário. Entendam: nunca foi por ciência ou saúde! É por poder! Aglomerar hoje não é genocídio. A partir de amanhã volta a ser”.

O regime autoritário que o pai do vereador tenta implantar no país ainda carece de força para proibir manifestações populares de qualquer origem política. Foi às ruas em todas as capitais brasileiras quem quis ir – entre eles, muitos ex-bolsonaristas.

Bolsonaro não usa máscara e tem horror a quem usa. Bolsonaro provoca aglomerações e receita cloroquina que não mata o vírus e deixa sequelas. Bolsonaro prega o desrespeito a medidas de isolamento social e aconselha todo mundo a circular.

O ministro Fábio Faria (PSD-RN), ministro das Comunicações e genro do apresentador de televisão Silvio Santos, sentiu-se liberado por seu chefe direto para percorrer o caminho aberto por Carlos. Então postou no Twitter:

“Em breve vocês verão políticos, artistas e jornalistas ‘lamentando’ o número de 500 mil mortos. Nunca os verão comemorar os 86 milhões de doses aplicadas ou os 18 milhões de curados, porque o tom é sempre o do ‘quanto pior, melhor’. Infelizmente, eles torcem pelo vírus”.

O único bolsonarista a destoar do coro de barbaridades foi o médico Marcelo Queiroga, ministro da Saúde, chamado pelo presidente de “o tal do Queiroga”. Em duas mensagens, ele disse:

“500 mil vidas perdidas pela pandemia que afeta o nosso Brasil e todo o mundo. Trabalho incansavelmente para vacinar todos os brasileiros no menor tempo possível e mudar esse cenário que nos assola há mais de um ano. Presto minha solidariedade a cada pai, mãe, amigos e parentes, que perderam seus entes queridos.”

Bolsonaro vai precisar de centenas de “motociatas” para reunir tanta gente quanto a que esteve, somente ontem, na Avenida Paulista. Na mais recente delas, juntou apenas 6.661 motociclistas que só produziram barulho e interromperam o trânsito.

O que ameaça lascar o Brasil não é a pandemia da Covid-19

Bolsonaro fala sobre a caçada ao criminoso Lázaro Barbosa e se cala sobre as mais de 500 mil mortes pela pandemia

O que leva o presidente Jair Bolsonaro a gravar um vídeo onde exalta o esforço dos policiais militares que caçam o assassino Lázaro Barbosa, embrenhado nas matas de Goiás, e a não dizer uma única palavra sobre a pandemia da Covid-19 logo no dia em que o número de mortos ultrapassou a casa dos 500 mil?

Bolsonaro garantiu que, “no mínimo”, Lázaro estará em breve atrás das grades. Não podia desejar publicamente sua morte, mas defende que “bandido bom é bandido morto”. Quanto aos mortos pela maior crise sanitária da história do país… Por que o silêncio? Medo de que seus devotos o considerem um governante fraco?

Sentimento de culpa por que não fez tudo o que estava ao seu alcance para evitar tantas mortes? Ou por que não está nem aí para o que aconteceu até agora? A julgar pelo que já disse, ele não é coveiro; morreriam os que tivessem de morrer; importante seria salvar a economia; tudo não passava de “um resfriadinho”.

Lázaro já matou pelo menos sete pessoas ao longo de sua trajetória como criminoso sádico. Sente prazer em matar e torturar. Se não o capturarem antes, é possível que volte a matar. Vidas não lhe importam. Compaixão não tem. Mas seus dias estão contados. A qualquer momento será preso ou aparecerá morto.

No mínimo, Bolsonaro governará o Brasil por mais 18 meses, podendo governar por mais quatro anos se reeleito ano que vem. Se não faltar vacina que ele não teve pressa em comprar, na melhor das hipóteses a pandemia estará sob controle no início do próximo ano. Sim, e daí? Não se morre só por falta de vacina.

Por mais letal que seja, pandemia alguma destrói um país. Nem mesmo sucessivos governos ineptos e assassinos destroem. O mal que eles causam, porém, custam milhares de vidas, retardam o desenvolvimento, nublam o futuro e deixam cicatrizes para sempre. A história de todos os povos é repleta de altos e baixos.

Mas todos os indicadores disponíveis mostram sem margem para dúvidas que o mundo, hoje, é mais civilizado do que jamais foi. Há menos guerras. Doenças matam menos. A desigualdade é menor. Os grandes desafios para a sobrevivência da humanidade são conhecidos e estão postos na mesa de discussão.

Bolsonaro é um presidente acidental. A conjuntura que o levou ao poder jamais se repetirá se a maioria dos brasileiros enxergar o que ele de fato significa. Mas a maioria só se move quando seus líderes naturais deixam de lado as diferenças para combater uma ameaça maior. Ou será assim ou o Brasil continuará lascado.

Um comentário:

Deletando as Derrotas disse...

Bom e oportuno texto; vale uma leitura!