Folha de S. Paulo
Gênero e raça não são garantias de
representatividade de uma coletividade
Era de se esperar que as mudanças nas
regras de distribuição do fundo eleitoral e do fundo partidário, além das
crescentes articulações dos movimentos sociais negros pela ocupação de espaços
de poder, resultassem numa ampliação da participação de mulheres e de
pretos e pardos entre os candidatos ao pleito de 2022.
A questão agora é saber quantas dessas pessoas estão realmente dispostas e aptas a trabalhar por pautas de interesse das mulheres e da negritude e quantas estão simplesmente cumprindo tabela, ou melhor, preenchendo cota.
Com uma maioria no país autodeclarada negra
(56%) e feminina (51,1%, pelo IBGE), o desejável seria que a representação
partidária e eleitoral desses grupos fosse mais proporcional ao contingente
populacional. Mais mulheres e mais negros entre os candidatos —oxalá também
entre os eleitos— claro que é importante e necessário para o fortalecimento da
democracia. Mas, por si, não é o bastante.
Gênero e raça não são garantias de
representatividade e alinhamento com as necessidades e demandas de uma
coletividade. Sobretudo sem a implementação de políticas públicas que defendam
os interesses de grupos que, apesar de majoritários, estão também entre os mais
vulneráveis.
Trocando em miúdos, com certeza cotas
representam um avanço, mas de nada adiantam sem o suporte partidário necessário
para viabilizar eleitoralmente essas candidaturas. Também pouco importam se,
caso eleitas, essas pessoas não estiverem dispostas e aptas a tocar projetos
políticos que promovam direitos e ações afirmativas, protejam religiões de
matriz africana e terras quilombolas, combatam o morticínio negro...
Passados 200 anos da Independência, o Brasil precisa de parlamentares e governantes dispostos a trabalhar pela redução das crescentes desigualdades sociais. Só assim será possível colocar um freio na intersecção entre pobreza, raça e marginalização, coisa que se naturalizou de maneira trágica.
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